Admissão em Centro Cirúrgico como espaço de cuidado

Atualizado em 10/01/2022 às 02:06

Ao longo de sua experiência profissional, como docente em campo de prática em Centro Cirúrgico (CC), a autora tem convivido com situações complexas, no momento da entrada do paciente nesse setor.

Sabe-se que a chegada de uma pessoa que necessita de cirurgia, nesse setor, é sempre precedida da sensação de medo: medo do desconhecido, do ambiente estranho, medo da cirurgia e do seu resultado, medo da anestesia, das alterações da imagem corporal, enfim, medo da morte, além de outros tidos como grandes inimigos do homem. Assim, a necessidade de  receber informações, atenção e apoio, como um cuidado especial, é imprescindível, até porque sua percepção está, muitas vezes,  aguçada tentando captar algo que possa estar interferindo ou que venha a interferir na sua dita operação. São situações como essas, que podem aumentar os seus temores e, conseqüentemente, sua ansiedade e insegurança, frente à perspectiva imediata da cirurgia.

Para quem se encontra nessa situação individual, particular e mesmo única, as circunstâncias também apresentam características específicas, uma vez que, ao se aproximar o momento da cirurgia, é comum à pessoa sentir-se atemorizada ou mesmo ameaçada, não só pelo ambiente estranho, equipamentos, paramentação da equipe, pessoas estranhas etc. como, também, pela forma como é recebido considerando que cada pessoa reage de maneira diferente aos seus temores e preocupações já destacados por D’ASSUMPÇÃO (1994, p.16) no apelo de um paciente aos médicos:

”ao me levarem para a sala de cirurgia, por favor não me deixem sozinho e sem qualquer informação sobre o que irá acontecer, … para mim, tudo é novidade, tudo é assustador. Porém, se alguém que eu já conheça, estiver junto de mim, estarei seguro e me será mais fácil enfrentar tudo aquilo que virá em seguida”.

Justamente, nesse momento, é que o paciente pode exteriorizar o estresse emocional, pelo que precisa ser ouvido, cumprimentado, valorizado e chamado pelo nome, não por apelidos como freqüentemente acontece, tipo “tio”, “vô” ou “vó”. CASTELLANOS et al (1985), destacaram situações dessa natureza, como negativas e indicadoras de desrespeito ao paciente, com probabilidade, inclusive, de aumentar seus temores e insegurança.

O sentir-se ameaçado e inseguro, pode ser conseqüência de outros fatores, ao exemplo de ocorrências no contexto do ambiente de CC, pois tudo aquilo que o paciente  vê e escuta nesse local, tende a gerar um sentimento até certo ponto ameaçador, fazendo aumentar a sua ansiedade e insegurança, além de caracterizar um cuidado desumano e com baixo nível de qualidade.

Dentre as ocorrências que podem surgir no contexto do ambiente em CC, encontram-se aquelas referentes à própria dinâmica do trabalho de equipe, além de outras relacionadas ao fluxo de pessoas, de  vez que o ambiente é único e compartilhado por todos. Tem-se, como exemplos, o transporte de grandes frascos com conteúdo sanguinolento, aspirado de cirurgias anteriores; o transporte de peças cirúrgicas mal acondicionadas e descobertas; o abandono do paciente para cumprimentos efusivos e demorados com companheiros (as) de trabalho; o surgimento inoportuno, naquele local e naquele momento, de funcionário, dirigindo-se à enfermeira próxima ao paciente, para informar que: “o aspirador desta sala não está funcionando”, ou  “está faltando oxigênio nesta sala”, ou “o ar condicionado desta sala não está funcionando” ou, ainda, “o anestesista desta sala não chegou”. Essas situações podem ser comuns e naturais para a equipe, mas não o são para o paciente. Para esse, elas se colocam como  ameaçadoras e geradoras de conflitos e ansiedades, trazendo-lhe desconforto, desconfiança, insegurança, e estresse, ao ponto de muitas, determinar, a suspensão da cirurgia.

Nesse ambiente, a vida diária da enfermeira, como administradora e coordenadora da assistência de enfermagem, está inserida em um mundo intersubjetivo, compartilhado com seu semelhante, sendo portanto,  um mundo comum que pode ser vivenciado e interpretado por todos. Agindo sobre os outros e sendo por esses também afetada por eles a enfermeira, como coordenadora da assistência, pode estabelecer um relacionamento mútuo de comunicação terapêutica  envolvendo  a equipe e a pessoa necessitada de cirurgia,  para um cuidado de qualidade, ou, caso contrário, para o desencadear de desajustes.

O cuidado da  enfermeira, na admissão do paciente em CC, deve ter como um dos objetivos o de reduzir os agentes estressores, que podem ocorrer nesse momento, proporcionando o conforto, a ajuda e o apoio exigidos para o bem-estar da pessoa necessitada de cirurgia. As ocorrências oriundas do ambiente e/ou do contexto social,  podem interferir no sucesso da cirurgia.

O Contexto ou espaço social, segundo CHINN et al (1995), é o local dentro do qual a experiência e os valores surgem e interagem, colocando-se na dependência da importância cultural e da influência da representação mental dessa experiência, que envolve julgamento. Este julgamento, segundo as autoras, abrange a exploração de significados adquiridos em função do contexto e da imagem mentalmente construída, como resultado prático do significado conceitual do contexto estudado.

É nesse instante que a pessoa precisa da atenção da enfermeira, tida, no caso, como a  profissional capacitada para prestar o cuidado e o conforto de que necessita, a fim de reduzir o nível de ansiedade e dissipar seus temores, readquirindo por conta disso, a confiança abalada.

A enfermeira deve, pois, receber a pessoa e mostrar sua presença, mostrando que sua existência ali  significa, segundo SANTIN (1998 p.129), “estabelecer laços pessoais de intersubjetividade, onde há espaço para a confiança e esperança”. É preciso, assim, que o paciente sinta a enfermeira como uma brisa suavizante, capaz de lhe trazer  novas esperanças  (ZEN & BRUTSCHER, 1985).

Estar presente requer, por conseguinte, um comportamento de mostrar-se por inteiro, ou seja estar diretamente ligada à demonstração de afeto e de dar atenção ao outro. Tal se expressa na forma de ouvir o outro, um ouvir atento e reflexivo, para uma maior compreensão do que se passa com o outro. É uma forma essencial de cuidado (SILVA, 1999).

É nesse momento que o cuidado dos profissionais, junto à pessoa necessitada de cirurgia, torna-se indispensável ao bem-estar da mesma, pela interdependência que se cria entre ambiente interno e externo interferindo nas percepções dessa pessoa, tornando o ambiente ameaçador ou não (Watson, 1979 apud GEORGE, 2000; TALENTO, 1993). A interdependência de ambientes, aqui referenciada,  pode ser possível através da experiência de integração de ações humanitárias, entre enfermeira e paciente; é como se, por alguns instantes, pudesse haver troca de papeis, lançando mão de técnicas e estratégias reconhecidas no trabalho em Enfermagem, como essenciais, ao compartilhamento e compreensão mútuos. É sentir-se em um estado de ser mais, sendo pessoa, no sentido ontológico,  na busca do ser mais junto com o outro.

Essa busca só pode alcançar resultados através do diálogo, que se constitui no “ser do homem”, com uma forma de relação em que a pergunta e resposta, funcionam como meios de comunicação. Comunicação de um  ser que fala, uma tradição que precisa ser reconhecida e compreendida, uma  historia de vida expressada através da linguagem, com suas idéias e conjecturas  (pré-julgamentos e julgamentos) e que têm importância na interpretação de possíveis resultados da ação terapêutica da enfermagem. Essas constituem possibilidades de abertura de novas alternativas, para a interpretação e compreensão  do que se passa consigo naquele momento de sua história de vida (GADAMER, 1990).

A interpretação só pode ser efetivada a partir do que se ouve e do que se sabe do outro, através da linguagem; na verdade, o que se sabe muda no curso da história de vida e de novas experiências que vão sendo acumuladas, mudando, também, as perspectivas segundo BARRETO et al (1999), que são necessárias à compreensão, para correção ou eliminação de necessidades de cuidado.

A pessoa, nesse momento, está precisando de cuidado – admissão – atenção, preocupação e valorização da sua condição – necessitada de cirurgia – a fim de que a enfermeira, possa compreendê-la e controlar toda e qualquer situação no ambiente, capaz de interferir na aceitação do procedimento, readquirindo, assim, a confiança no sucesso da operação. Para tanto, nesse instante, a enfermeira precisa assumir a posição de mãe carinhosa, compreensiva e protetora; de psicóloga, na identificação, compreensão e conforto em presença de alterações comportamentais; de assistente social, na identificação e compreensão dos problemas relativos à sua cultura e necessidades pessoais, ajudando a resolve-los. Assume até mesmo, a posição de uma religiosa, para dar apoio espiritual à pessoa, auxiliando-a, conforme sua religião, a utilizar a meditação e a crença em si e no aspecto espiritual, para o enfrentamento de situações difíceis (Watson, 1979 apud GEORGE, 2000). Não raro se coloca como advogada, para defendê-la e apoiá-la em todas intercorrências decorrentes da dinâmica do trabalho, do ambiente e do próprio procedimento cirúrgico e de mensageira, para manter o elo de ligação com a família da pessoa que está sendo operada, até sua saída desse setor.    

A   manutenção  de  um  ambiente  seguro  é  uma  das  primeiras necessidades, recomendadas, inclusive por TUDOR  (1994), quando fala da expansão do papel do enfermeiro de centro cirúrgico.

Também,  Roy apud GALBREATH (2000), lembra que os estímulos provenientes do ambiente, ou seja, as condições, circunstanciais e situações encontradas ou que circundam o mesmo, podem afetar o comportamento de pessoas ou grupos, dificultando sua adaptação. Essa dificuldade é decorrente dos estímulos negativos do ambiente, produzindo respostas também negativas de adaptação e de enfrentamento, pela interferência no subsistema  regulador do organismo, de natureza química, neural ou endócrina.  Portando, a percepção do paciente, distorcida da realidade, pode constituir um acontecimento estressante e ameaçador, conduzindo, muitas vezes, à suspensão da cirurgia.

É só de posse dessa compreensão, que a enfermeira pode promover uma assistência humanizada, assim entendida como o ato de receber e de assistir o paciente com humanidade, levando-o a perceber, ou mesmo, a sentir, que suas necessidades imediatas, no momento em que adentra ao CC, estão sendo satisfeitas  (FERREIRA, 1971).

Considerando que o momento da admissão em CC é um dos poucos momentos em que a enfermeira desse setor pode atuar diretamente com o paciente, deve essa profissional centralizar sua atenção no cuidado – admissão  e no ambiente, a fim de proporcionar  melhores condições de atendimento ao mesmo. O cuidado, é um ato profissional do enfermeiro e se expressa na interação com a pessoa necessitada de assistência e de  apoio para sua sobrevivência e seu bem-estar e/ou de ajuda, compreensão e capacitação para enfrentar situações de risco. Nesse sentido, busca-se, com este trabalho, descrever o cuidado da enfermeira,  frente ao fenômeno da admissão do paciente em CC, vez que, de um lado, está a profissional e seu universo  de trabalho, e, do outro, a pessoa necessitando de cirurgia, com uma visão de mundo diferente, até porque se encontra fora de sua cultura, (Leininger apud GEORGE, 2000).

Espera-se, com este trabalho, oferecer uma contribuição à construção do conhecimento, especialmente, à reflexão da enfermeira sobre os aspectos essenciais de cuidado, a serem considerados na admissão do paciente em CC. 

METODOLOGIA

Trata-se de um relato de experiência a partir da observação do cuidado da enfermeira, durante a admissão da pessoa necessitada de cirurgia, em CC.

Contamos com o apoio de uma colega que, trabalhando na Instituição, facilitou sobremodo  nosso acesso à mesma, desde a Diretoria até o setor de observação, no caso o CC.  Nessa unidade, fomos muito bem recebidas e apresentadas, de logo, aos sujeitos da pesquisa. Para continuidade do trabalho e respeitando os aspectos éticos determinados pela Resolução 196/96 BRASIL (1996), sobre pesquisas com seres humanos, a proposta do estudo foi apresentada às enfermeiras,  com os devidos esclarecimentos, a partir do que conseguimos de todas, a  assinatura do  termo de consentimento, para efetivação da observação, considerada  sem risco e/ou constrangimento. Essa forma de proceder, foi escolhida para captação da realidade do mundo empírico, pela maior probabilidade de ser fiel aos eventos naturais e, ainda, de favorecer a obtenção de resultados mais coerentes com a realidade.

Foram observadas três enfermeiras de uma Instituição Pública, de grande porte, da cidade de Fortaleza – Ceará, as quais estavam procedendo à admissão de pacientes em CC, que iriam ser submetidos a  cirurgia.

A observação caracterizada como não estruturada ou assistemática, foi realizada pela autora, no dia 03.05.2000, no período das 10h00 às 14h00, no CC da Instituição supra- citada. O espaço de tempo, das 13h00  às 14h00, caracterizou-se como o período real de observação do cuidado, vez que foi o momento da admissão dos pacientes nesse setor, para realização das cirurgias, na parte da tarde. No total foram seis admissões.

Tal observação foi justificada pela necessidade de ser obtido o conhecimento espontâneo do cuidado da enfermeira, na admissão do paciente, nesse momento, de forma casual. O êxito dessa observação está diretamente ligado à experiência, perspicácia e discernimento do pesquisador, para registrar, fielmente, os dados obtidos, não se caracterizando portanto, de totalmente espontânea, dada a necessidade de interação mínima com o sistema e com o controle que se impõem em situações semelhantes (LAKATOS & MARCONI, 1995).

Assim, percebendo a presença (ou ausência) de uma ocorrência ou de um fato importante, é despertada a curiosidade do pesquisador, para questões de seu interesse, na busca de respostas para as mesmas (FUREGATO, 1999).

Para tanto, é, pois necessário, caracterizar o ambiente em que se deu a admissão do paciente.

O espaço onde a admissão é desenvolvida, é comum a todos os elementos da equipe, tanto  interna quanto externa, vez que  existe uma porta ampla que dá acesso ao  corredor interno do CC, e que permanece aberta, a maior parte do tempo.

Essa situação, aliada ao fato do corredor, ser relativamente estreito, possibilita freqüentes interrupções, no cuidado prestado pela enfermeira, decorrentes da solicitação de orientações administrativas e assistenciais, e de informações por parte da clientela interna e externa ao CC:  sobre os pacientes que estão chegando, aguardando, ou que se encontram em cirurgia, ou, no Centro de Recuperação Pós-Anestésica (CRPA). Referida porta, colocada diretamente em frente ao CRPA, propicia uma maior rotatividade dos profissionais para o desenvolvimento de suas atividades, dando margem, também,  a conversas indesejáveis e ao transporte de material, com aspecto desagradável para o paciente que está à espera da cirurgia. Alem dessas situações, outras semelhantes ocorrem no percurso que vai até à Sala de Operação (SO).

Esse é um espaço limitado para a demanda de fluxo de pessoas, onde se incluem os pacientes que permanecem muito próximos, um dos outros, dificultando o trabalho e provocando interpretações erradas no processo de comunicação.

No contexto social estudado, foi observado o direcionamento de vários profissionais, afluindo para o local de recebimento do paciente no CC, os quais apenas demonstraram curiosidade de verificar quem estava chegando, vez que, após alguns segundos, retornavam aos seus locais de trabalho, sem nada terem feito. No entanto, a preocupação em receber o paciente foi manifestada pelas enfermeiras, como uma prerrogativa própria, evidenciando situação de ajuda.

Essa preocupação foi demonstrada na forma como a enfermeira que, com humanidade, se aproximava da pessoa, apresentando-se e pondo-se à sua disposição para ajudá-la. No entanto, a continuidade do cuidado de  admissão, foi voltada mais para os seus aspectos técnicos/instrumentais, fato que se comprova quando, através dos  questionamentos apressados e direcionados a esses cuidados, foram, em sua maioria, voltados às condições essenciais, ao desenvolvimento da cirurgia, tipo: “O Sr. Ou Sra. está em jejum? – tem alergia? diabetes? é hipertenso (a)? é tabagista? etilista?” Tal acontecia ao mesmo tempo em que folheava o prontuário, na busca de algo que pudesse interferir ou impedir o procedimento cirúrgico.

Também foi observada a passividade dos pacientes que durante a maior parte do tempo permaneceram com o olhar fixo na enfermeira que o admitia, sujeitando-se às regras e normas do serviço, por ela determinadas, limitando-se apenas, a  responder alguns questionamentos que lhe foram direcionados, em forma apressada. Não raro  esses pacientes limitaram a responder a última questão, que, por sinal, também não era ouvida pela enfermeira, preocupada em dar continuidade a outras perguntas, evidenciando pressa no cumprimento de sua tarefa.

Surpreendente também foi observar o descontentamento das enfermeiras com o seu próprio desempenho, quando eram interrompidas para esclarecer situações administrativas ou para atender solicitações apressadas da equipe médica, pelo paciente, quando nem mesmo haviam conseguido concluir a função técnica de admiti-lo, pelo que respondiam simplesmente: “calma já estou levando”, demonstrando, na fisionomia sua insatisfação. Apesar disso, limitavam-se a concluir a tarefa, de forma apressada em atendimento à solicitação.

Não foram observadas atividades ou ações de enfermagem voltadas às intercorrências no  ambiente, principalmente quanto ao tumulto gerado pelas conversas paralelas, caso ocorrente em um determinado momento, quando foi dito, por uma enfermeira, junto a um paciente: “está faltando o Raio X”, e outro paciente, que aguardava sua admissão, ter questionado  “é comigo?”. A  enfermeira, de tão envolvida em sua atividade, sequer o ouviu e continuou dirigindo-se ao paciente que estava admitindo. O paciente que havia questionado ficou inquieto e, nesse momento, foi necessária a intervenção da autora (observadora), no sentido de tranqüilizá-lo.

No local de admissão do paciente, também foi percebido o respeito por parte da equipe de enfermagem do CC, em relação à atividade desenvolvida pela enfermeira.

Os comentários da observação do cuidado da enfermeira,  na admissão do paciente  em CC, foram fundamentados na resposta ao questionamento sugerido por CHINN et al (1995), para exploração de contexto e valores, o qual foi adaptado à realidade do estudo, na questão: Que resposta comportamental é esperada da enfermeira na admissão do paciente em CC, no contexto social descrito?

Também serviu de apoio a teoria trans-pessoal de Watson apud TALENTO (2000), amparada em trabalhos de vários humanistas, filósofos, desenvolvimentistas, psicólogos, e que encara o cuidado como o atributo mais valioso que a enfermagem tem para oferecer à humanidade. É dessa forma que propõe dez fatores básicos do cuidado, dos quais, os três primeiros formam os fundamentos filosóficos para a ciência do cuidado, constituindo as bases para essa análise:

1º  A formação de um sistema humanístico-altruísta;

2º  A estimulação  da fé-esperança;

3º  O cultivo da sensibilidade para si e para os outros;

Foi considerada, ainda, a emoção transmitida pela enfermeira e percebida pela autora, nessa relação, vez que esta  define o campo onde ocorre uma observação, independente do observador, o que especifica a natureza do ato, cuja emoção ou sentimento é influenciada, pelo campo de atuação. Condição essa destacada por MATURANA, (1995), que ressalta, ainda, que essa emoção precisa ser compreendida, levando-se em consideração, simultaneamente, a ocorrência,  o aprendizado e o reconhecimento dos atos.

Para responder ao questionamento formulado, na resposta comportamental da enfermeira, na admissão da pessoa necessitada de cirurgia em CC, foi considerado o comportamento da equipe, observado no seu todo, mas, especificamente, o da enfermeira que, no contexto da observação, vê-se tolhida em sua autonomia, vez que é pressionada por todos para resolver, simultaneamente, os problemas administrativos da unidade e os assistenciais junto ao paciente.      

O momento da chegada dessas pessoas ao CC é bastante complexo, isso porque elas chegam quase que simultaneamente, em razão de ser sempre idêntico o horário  para o início da cirurgia e, também, face à pressão exercida pela equipe, para liberação das mesmas.

Essa situação dificulta o cuidado na admissão da pessoa, pela pressa exigida da equipe que nem se dá conta dessa condição e das necessidades decorrentes.

A preocupação da enfermeira em admitir a pessoa em CC, caracteriza-se como uma forma de valorização do mesmo, demonstrando um sentimento voltado para o aspecto humano do processo de comunicação, apesar da complexidade estrutural do  ambiente que, em determinados momentos, induz a comportamentos indesejados.

A par disso, demonstra, também, uma preocupação em cumprir uma norma institucional, não pondo à mostra um interesse direto pelas condições emocionais do paciente, fato verificado na pressa com que a atividade era desenvolvida.

A passividade do paciente pode conduzir a falsas interpretações de sua condição, trazendo à tona evidências de que o processo de comunicação enfermeira x paciente não ocorreu, podendo o mesmo apresentar, posteriormente, reações emocionais negativas ou retardar sua recuperação (SILVA & SILVA, 1995).

 O respeito da equipe de enfermagem demonstra, também, a consideração com o ser humano, no sentido de garantir a conclusão da atividade, talvez pelo seu envolvimento nas atividades de preparo da sala de operação, embora, em determinados momentos, tenha sido solicitada da enfermeira, alguma orientação, ou mesmo por respeito à atividade e situação da pessoa.

Nesse contexto o desenvolvimento das atividades, como um todo, é bastante dificultado pela complexidade da dinâmica de trabalho, decorrente da diversidade de visão de mundo e de valores que ocorrem no encontro de seres humanos, onde se encontram envolvidos: níveis de conhecimento, experiências de vida, sentimentos e emoções, em um processo de subjetividade e intersubjetividade. Nesse emaranhado de pensamentos, ocorrem diversas formas de operação mental, capazes de desencadear desconfiança, insegurança, ansiedade e estresse, pela própria estranheza do ambiente e da situação.

Caracterizada como complexa, essa situação exige compreensão, também designada  de ética da compreensão, que tem como princípios básicos, a tolerância, o direito humano de livre expressão, o respeito institucional democrático às minorias e o respeito a argumentos contrários aos nossos, porque “o contrário de uma verdade não é um erro, mas uma verdade contrária” diz MORIN, (1997 pg. 24.). Essas constatações precisam ser consideradas para um cuidado de qualidade.

Nesse complexo contexto foi observado que todos estão voltados para o atendimento à pessoa que está sendo admitida, embora permaneçam atentos à clientela externa e interna (equipe) que se aproxima desse local, para alguma necessidade. A situação  determina, assim, o comportamento da enfermeira no desempenho das atividades de admissão da pessoa, em CC,  haja vista a influência que sofre, não só pela limitação do espaço, mas, também, pela dinâmica do trabalho e fluxo de pessoas. 

ADMISSÃO NO CENTRO CIRÚRGICO COMO ESPAÇO DO CUIDADO

Para Watson apud TALENTO (2000),  o cuidado é o desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos, com base em conhecimento científico, experiência,  intuição e pensamento crítico, realizado para e com o paciente/ser, para promoção, manutenção e/ou recuperação de sua dignidade. É o atributo mais valioso que a enfermagem tem a oferecer à humanidade. Trata-se da essência da enfermagem e denota reciprocidade entre a enfermeira e a pessoa.  É baseado em valores humanísticos e comportamento altruísta, desenvolvido através do exame dos pontos de interação com várias culturas e experiências pessoais. É uma forma de relação compreensiva. Nessa situação, o cuidado pode ser desenvolvido a partir do exame dos próprios pontos de vista da pessoa, de suas crenças e valores, bem assim da forma como interage com outras culturas e outras experiências de vida.

Nesse contexto, o paciente é, portanto, o foco das atenções, pois, como ser humano, é constituído de corpo e alma, o que quer dizer, mente e emoção. A enfermeira deve buscar o olhar dessa pessoa, para escutar seus sentimentos e dialogar. É preciso que seja ela um ser cuidador, empenhado em cuidar de um ser humano único, que, naquele momento, vive o seu drama e que precisa ser compreendido (CREMA, 1999).

Para que isso aconteça, o cuidado – admissão – torna-se um fenômeno complexo que se concretiza em determinados contextos específicos, como o ambiente de CC, cujos significados são variados e dependem dos valores, crenças e experiências de vida, de quem vivencia a necessidade de uma cirurgia. É, portanto, um ato de afetividade e de partilha, que exige dedicação, compreensão e compromisso da enfermeira – ser humano, com o paciente, que vê, ouve e sente. Requer demonstração de afeto, disponibilidade, interesse e valorização do seu sentimento.

A admissão em CC, é entendida como um fenômeno concreto, constituído de ações e atividades de cuidado de enfermagem, dirigidas à pessoa necessitada de cirurgia, com necessidades evidentes e/ou potencializadas, pela iminência do ato cirúrgico ou pelas ocorrências oriundas da dinâmica de trabalho desse ambiente,  segundo seus valores e forma de interação, visando à  melhoria de sua condição, ao se submeter à cirurgia, e a  reagir à mesma, de forma satisfatória.

O Cuidado deve ser entendido como um ato de interação, constituído de ações e atividades de enfermagem, dirigidas ao paciente e com ele compartilhadas, envolvendo o dialogo, a ajuda, a troca, o apoio, o conforto, a descoberta do outro, esclarecendo dúvidas através da capacidade de ouvi-lo, cultivando a sensibilidade, valorizando-o, compreendendo-o e ajudando-o a melhorar sua condição no enfrentamento da cirurgia ou diante de uma situação de risco.

 A intenção é que o paciente saia do CC em condições de recuperação, sem ter sido exposto a riscos de qualquer natureza, sendo essa, uma das finalidades do cuidado nesse setor (GHELLERE et al, 1993).

Com essas ações, a enfermeira pode criar um ambiente que favoreça a confiança, a liberdade e a transformação e que irão ser percebidas pelo paciente (FUREGATO, 1999). As pessoas, com o senso aguçado de percepção conscientizam-se dos eventos que ocorrem no meio, percebendo e reagindo de acordo com sua percepção de mundo.  

Segundo Leininger, 1979 apud GEORGE, (2000), o cuidado é inerente à pessoa humana e é essencial à vida, ao nascimento, crescimento e desenvolvimento, como uma forma de promover o bem-estar, auto-realização e sobrevivência, ou mesmo encarar uma morte aliviada e tranqüila. Essa é a essência da enfermagem e saúde, sendo portanto, imprescindível a toda situação que envolva o encontro de profissionais e pessoas com problemas de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A admissão da pessoa necessitada de  cirurgia, em CC, é um fenômeno complexo, aqui abordado, apenas em alguns aspectos, que se constituíram fruto de observação.

Neste estudo, foi verificado que, embora a preocupação da enfermeira em prestar o cuidado na admissão da pessoa em CC, tenha demonstrado um fazer voltado para a valorização e humanização do paciente, embora  sofrendo transformações na interação e no processo de comunicação, o apoio destinado ao mesmo, pela  equipe médica, entendida a equipe cirúrgica, é de difícil concretização, não sem deixar de direcionar o modo de assistir a pessoa, em CC. Um assistir voltado para os aspectos técnico-operacionais do cuidado, centrados nas condições essenciais ao desenvolvimento da cirurgia que, embora sejam importantes, não podem prescindir dos aspectos humanos do cuidado.

Essa situação pode até estar marginalizando as alternativas de cuidado, com vistas a minimizar o sofrimento da enfermeira, o mesmo acontecendo em relação às formas de enfrentamento do paciente em situações de risco.

A compreensão dessa situação demonstra que além de palavras e tentativas, é necessária uma ação transformadora que deve ter, como ponto de partida, a compreensão do ser, em uma relação humana de troca, de demonstração de afeto e de respeito, assumida por nós enfermeiras e pelo paciente em situações de risco, essencialmente em CC, onde a visão de mundo é totalmente diferente, para  cada um que adentra ali, com a finalidade de ser submetido a algum tipo de cirurgia.

Este estudo serviu de  estímulo à busca de estratégias que possibilitem uma maior compreensão das dificuldades enfrentadas pela enfermeira, ao  proceder à admissão da pessoa em CC, principalmente aquelas relacionadas ao espaço destinado à concretização desse cuidado.

Nesse sentido, é necessário que as enfermeiras reflitam sobre a necessidade de buscar melhores condições de trabalho, de modo que possam oferecer um ambiente mais tranqüilo, em penumbra com música ambiente suave, onde seja possível dar tempo ao paciente para expressar seus sentimentos, crenças e valores,  temores e experiências de vida, de forma que possam esses elementos ser trabalhados, não só para melhorar as condições de enfrentamento da cirurgia, e também ao profissional de assegurar melhor qualidade de vida no trabalho.  

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