Medidas de Prevenção da Infecção do Trato Urinário para pacientes com Sonda Vesical

Atualizado em 22/01/2022 às 06:10

A infecção do trato urinário – ITU é uma das causas prevalentes de IRAS de grande potencial preventivo, visto que a maioria está relacionada à cateterização vesical.

O diagnóstico clínico precoce, associado aos exames complementares (qualitativo e quantitativo de urina e urocultura), fornece evidência para uma adequada terapêutica, apesar dos casos de bacteriúria assintomática e candidúria, que podem induzir tratamentos desnecessários.

A terapêutica deverá ser conduzida empiricamente, fundamentada nas taxas de prevalência das infecções urinárias locais e nos protocolos elaborados em conjunto com a equipe assistencial, CCIH, Comissão de Farmácia e Terapêutica – CFT e Laboratório de Microbiologia, e ajustada aos resultados das culturas.

A associação de hemoculturas, em casos selecionados, trará informações adicionais, especialmente, em pacientes hospitalizados com sepse de foco urinário (20%). Deverá ser sempre considerada como hipótese diagnóstica em pacientes com febre sem foco aparente.

Definição das infecções do trato urinário

Definição das Infecções do Trato Urinário Relacionadas à Assistência à Saúde.

Infecção do trato urinário relacionada à assistência à saúde associada a cateter vesical (ITU-AC)

Qualquer infecção sintomática de trato urinário em paciente em uso de cateter vesical de demora instalado por um período maior que dois dias calendário (sendo que o D1 é o dia da instalação do cateter) e que na data da infecção o paciente estava com o cateter instalado ou este havia sido removido no dia anterior.

Infecção do trato urinário relacionada à assistência à saúde não associada a cateter (ITU-NAC)
Qualquer infecção sintomática de trato urinário em paciente que não esteja em uso de cateter vesical de demora, na data da infecção ou na condição que o cateter tenha sido removido, no mínimo, há mais de 1 (um) dia calendário antes da data da infecção

Outras infecções do sistema urinário (ISU)
ITU não relacionada a procedimento urológico (cirúrgico ou não) diagnosticada após a admissão em serviço de saúde que não está em seu período de incubação no momento da admissão. Compreendem as infecções do rim, ureter, bexiga, uretra, e tecidos adjacentes ao espaço retroperitoneal e espaço perinefrético. Incluem-se as infecções associadas a procedimentos urológicos não cirúrgicos.

Epidemiologia e fatores de risco

As ITUs são responsáveis por 35-45% das IRAS em pacientes adultos, com densidade de incidência de 3,1-7,4/1000 cateteres/dia. Aproximadamente 16-25% dos pacientes de um hospital serão submetidos a cateterismo vesical, de alívio ou de demora, em algum momento de sua hospitalização, muitas vezes sob indicação clínica equivocada ou inexistente e até mesmo sem conhecimento médico. A problemática continua quando muitos pacientes permanecem com o dispositivo além do necessário, apesar das complicações infecciosas (locais e sistêmicas) e não infecciosas (desconforto para o paciente, restrição da mobilidade, traumas uretrais por tração), inclusive custos hospitalares e prejuízos ao sistema de saúde público e privado.

Entende-se que o tempo de permanência da cateterização vesical é o fator crucial para colonização e infecção (bacteriana e fúngica). A contaminação poderá ser intraluminal ou extraluminal (biofilme), sendo esta última a mais comum. O fenômeno essencial para determinar a virulência bacteriana é a adesão ao epitélio urinário, colonização intestinal, perineal e cateter.

O crescimento bacteriano inicia-se após a instalação do cateter, numa proporção de 5-10% ao dia, e estará presente em todos os pacientes ao final de quatro semanas. O potencial risco para ITU associado ao cateter intermitente é menor, sendo de 3,1% e quando na ausência de cateter vesical de 1,4%.

Os pacientes acometidos pela afecção são de ambos os sexos, apresentam agravantes relativos dependentes de doenças clínicas/cirúrgicas e relacionadas à unidade de internação. Em uma parcela de indivíduos a manifestação de bacteriúria clinicamente significativa, porém transitória, desaparece após a remoção do cateter, contudo poderá ocorrer septicemia com alta letalidade em alguns casos específicos relacionados também ao hospedeiro.

Os agentes etiológicos responsáveis por essas ITU costumam, inicialmente, pertencer à microbiota do paciente. E, posteriormente, devido ao uso de antimicrobianos, seleção bacteriana, colonização local, fungos e aos cuidados do cateter, pode ocorrer a modificação da microbiota. As bactérias Gram negativas (enterobactérias e não fermentadores) são as mais frequentes, mas Gram positivos são de importância epidemiológica, especialmente do gênero Enterococcus.

A sobrecarga financeira relacionada a cada episódio de ITU alcança em média U$ 675,00 dólares, até um adicional de U$ 2,800 dólares nos casos que evoluem com bacteremia, aumentando o período pós-operatório em média para mais de 2,4 dias em pacientes cirúrgicos.

A despeito da estreita relação existente entre cateterismo vesical e ITU, percebe-se a fragilidade na implantação de estratégias de medidas preventivas simples, tanto no Brasil quanto no exterior. É possível que uma percepção universalmente errônea do caráter menos agressivo quanto à morbidade, mortalidade e impacto econômico das ITU em relação às outras IRAS seja a explicação para tal atitude.

Técnica de inserção do cateter urinário

• Reunir o material para higiene íntima, luva de procedimento e luva estéril, campo estéril, sonda vesical de calibre adequado, gel lubrificante, antisséptico preferencialmente em solução aquosa, bolsa coletora de urina, seringa, agulha e água destilada;
• Higienizar as mãos com água e sabonete líquido ou preparação alcoólica para as mãos;
• Realizar a higiene íntima do paciente com água e sabonete líquido (comum ou com antisséptico);
• Retirar luvas de procedimento, realizar higiene das mãos com água e sabão;
• Montar campo estéril fenestrado com abertura;
• Organizar material estéril no campo (seringa, agulha, sonda, coletor urinário, gaze estéril) e abrir o material tendo o cuidado de não contaminá-lo;
• Calçar luva estéril;
• Conectar sonda ao coletor de urina (atividade), testando o balonete (sistema fechado com sistema de drenagem com válvula anti-refluxo);
• Realizar a antissepsia da região perineal com solução padronizada, partindo da uretra para a periferia (região distal);
• Introduzir gel lubrificante na uretra em homens;
• Lubrificar a ponta da sonda com gel lubrificante em mulheres;
• Seguir técnica asséptica de inserção;
• Observar drenagem de urina pelo cateter e/ou sistema coletor antes de insuflar o balão para evitar lesão uretral, que deverá ficar abaixo do nível da bexiga, sem contato com o chão; observar para manter o fluxo desobstruído;
• Fixar corretamente o cateter no hipogástrio no sexo masculino e na raiz da coxa em mulheres (evitando traumas);
• Assegurar o registro em prontuário e no dispositivo para monitoramento de tempo de permanência e complicações;
• Gel lubrificante estéril, de uso único, com ou sem anestésico (dar preferência ao uso de anestésico em paciente com sensibilidade uretral);
• Uso para cateter permanente;
• Utilizar cateter de menor calibre possível para evitar trauma uretral. (B-III).

Indicação do uso de cateter urinário

Não use cateter urinário, exceto nas seguintes situações:
1. Pacientes com impossibilidade de micção espontânea;
2. Paciente instável hemodinamicamente com necessidade de monitorização de débito urinário;
3. Pós – operatório, pelo menor tempo possível, com tempo máximo recomendável de até 24 horas, exceto para cirurgias urológicas específicas;
4. Tratamento de pacientes do sexo feminino com úlcera por pressão grau IV com cicatrização comprometida pelo contato pela urina.

Práticas Básicas

Infraestrutura para prevenção

I. Criar e implantar protocolos escritos de uso, inserção e manutenção do cateter (A-II);
II. Assegurar que a inserção do cateter urinário seja realizada apenas por profissionais capacitados e treinados (B-III);
III. Assegurar a disponibilidade de materiais para inserção com técnica asséptica (A-III);
IV. Implantar sistema de documentação em prontuário das seguintes informações: indicações do cateter, responsável pela inserção, data e hora da inserção e retirada do cateter (A-III);
a) Registrar nas anotações de enfermagem ou prescrição médica (o registro deve ser no prontuário do paciente, e em arquivo padronizado para coleta de dados e implantação de melhorias);
b) Assegurar equipe treinada e recursos que garantam a vigilância do uso do cateter e de suas complicações (A-III).

Vigilância de processo

I. Estabelecer rotina de monitoramento e vigilância, considerando a frequência do uso de cateteres e os riscos potenciais, como por exemplo, tipo de cirurgias, obstetrícia e unidades de terapia intensiva – UTI (B-III);

II. Utilizar critérios nacionais para diagnóstico de ITU associada a cateter (A-II);
III. Coletar informações de cateteres-dia (denominador) (A-II);
IV. Calcular o indicador de densidade de ITU associada a cateter (A-II).

Educação permanente e treinamento

Treinar a equipe de saúde envolvida na inserção, cuidados e manutenção do cateter urinário com relação à prevenção de ITU associada a cateter, incluindo alternativas ao uso do cateter e procedimentos de inserção, manejo e remoção (A-III).

Manuseio correto do cateter

I. Após a inserção, fixar o cateter de modo seguro e que não permita tração ou movimentação (A-III);
II. Manter o sistema de drenagem fechado e estéril (A-I);
III. Não desconectar o cateter ou tubo de drenagem, exceto se a irrigação for necessária (A-I);
IV. Trocar todo o sistema quando ocorrer desconexão, quebra da técnica asséptica ou vazamento (B-III);
V. Para exame de urina, coletar pequena amostra através de aspiração de urina com agulha estéril após desinfecção do dispositivo de coleta (A-III); levar a amostra imediatamente ao laboratório para cultura.
VI. Manter o fluxo de urina desobstruído (A-II);
VII. Esvaziar a bolsa coletora regularmente, utilizando recipiente coletor individual e evitar contato do tubo de drenagem com o recipiente coletor (A-II);
VIII. Manter sempre a bolsa coletora abaixo do nível da bexiga (A-III);
IX. Não há recomendação para uso de antissépticos tópicos ou antibióticos aplicados ao cateter, uretra ou meato uretral (A-I);
X. Realizar a higiene rotineira do meato e sempre que necessário (A-I).
XI . Não é necessário fechar previamente o cateter antes da sua remoção (II).

Estratégias especiais para prevenção de ITU-AC

Proceder a avaliação do risco de ITU-AC. Estas estratégias são indicadas para hospitais que apresentam altas taxas de ITU-AC, apesar da implantação de um programa efetivo e das medidas básicas listadas anteriormente.
A. Implantar um programa na instituição para identificar e remover cateteres desnecessários, utilizando lembretes ou ordens para interromper o uso e avaliar a necessidade de remover o cateter (A-I).
I. Desenvolver e implantar política de revisão contínua, diária, da necessidade de manutenção do cateter:
• Revisar a necessidade da manutenção do cateter;
• padrão distribuídos no prontuário escrito ou eletrônico;
II. Implantar visita diária com médico e enfermeiro revisando a necessidade da manutenção do cateter.

B. Desenvolver protocolo de manejo de retenção urinária no pós-operatório, incluindo cateterização intermitente e ultrassonografia – USG de bexiga (B-I), com medida do resíduo pós-miccional;
I. Estabelecer sistema de análise e divulgação de dados sobre uso do cateter e complicações (B-III);
II. Definir e monitorar eventos adversos além de ITU-AC, como obstrução do cateter, remoção acidental, trauma ou reinserção após 24 horas da retirada;
III. Para melhor análise dos dados, estratificar de acordo com fatores de risco relevantes (idade, sexo, duração, setor, doença de base). Revisar e divulgar os resultados aos interessados em tempo hábil.

Estratégias que não devem ser utilizadas para prevenção

A. Não utilizar rotineiramente cateter impregnado com prata ou outro antimicrobiano (A-I);
B. Não monitorar rotineiramente bacteriúria assintomática em pacientes com cateter (A-II);
C. Não tratar bacteriúria assintomática, exceto antes de procedimento urológico invasivo (A-I);
D. Evitar irrigação do cateter (A-I):
I. Não realizar irrigação vesical contínua com antimicrobiano;
II. Não utilizar instilação rotineira de soluções antisséptica ou antimicrobiana em sacos de drenagem urinária (II);
III. Quando houver obstrução do cateter por muco, coágulos ou outras causas, proceder a irrigação com sistema fechado;
E. Não utilizar rotineiramente antimicrobianos sistêmicos profiláticos (A-II);
F. Não trocar cateteres rotineiramente (A-III);
a A bacteriúria assintomática não necessita tratamento, porém pacientes grávidas, transplantados de rim, crianças com
refluxo vesicoureteral, pacientes com cálculos infectados e pacientes submetidos a cirurgias urológicas, deverão ser
avaliados para possível tratamento.

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