A Análise do Ritmo Cardíaco

Condução Atrioventricular

Atualizado em 15/03/2023 às 09:36

A condução atrioventricular refere-se, ao processo pelo qual o impulso elétrico que inicia a contração do coração é transmitido dos átrios para os ventrículos. Esse processo é essencial para manter a coordenação da atividade elétrica do coração e garantir que o sangue seja bombeado eficientemente pelo sistema circulatório.

O nó sinoatrial (SA), localizado no átrio direito, é conhecido como o “marcapasso natural” do coração, pois é responsável por iniciar a sequência de eventos elétricos que resultam na contração do coração. Quando o impulso elétrico é gerado no nó SA, ele se espalha pelos átrios e causa sua contração.

Em seguida, o impulso elétrico atinge o nó atrioventricular (AV), localizado na junção entre os átrios e os ventrículos. O nó AV retarda a condução do impulso elétrico por um breve período para permitir que os ventrículos se encham completamente de sangue antes de serem contraídos.

Em seguida, o impulso elétrico é transmitido pelos ramos direito e esquerdo do feixe de His, que se ramificam em pequenas fibras conhecidas como fibras de Purkinje. Essas fibras se estendem pelos ventrículos e causam sua contração.

Qualquer anormalidade na condução atrioventricular pode resultar em distúrbios do ritmo cardíaco, como bloqueio atrioventricular, taquicardia ou fibrilação atrial. Esses distúrbios podem ter consequências graves para a saúde e, portanto, devem ser diagnosticados e tratados por um médico especialista em cardiologia.

Enfermeiros pode avaliar a condução atrioventricular de um paciente?

Sim. Os Enfermeiros podem monitorar a condução atrioventricular de um paciente usando técnicas de eletrocardiografia (ECG) para avaliar a função cardíaca. Durante um ECG, os eletrodos são colocados no peito, braços e pernas do paciente para registrar a atividade elétrica do coração.

Com base no ECG, o enfermeiro pode avaliar o ritmo cardíaco, a frequência cardíaca, a duração e a amplitude dos complexos QRS, o intervalo PR, entre outras medidas relacionadas à condução atrioventricular.

No entanto, é importante lembrar que a interpretação do ECG é uma habilidade avançada que requer treinamento e experiência adequados. Se houver alguma dúvida ou anormalidade na condução atrioventricular do paciente, o enfermeiro deve consultar um médico especialista em cardiologia para obter uma avaliação mais aprofundada e um diagnóstico preciso.

A lei do exercício profissional da enfermagem e as determinações do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), embasam a atividade do enfermeiro na avaliação do paciente que é submetido a procedimento de eletrocardiogram (ECG).

A seguir, descreveremos de forma mais detalhada sobre “Condução Atrioventricular”, segundo a última Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada em 2022.

Definição da Relação Atrioventricular (AV) Normal

O período do início da onda P ao início do QRS determina o intervalo PR, tempo em que ocorre a ativação atrial e o retardo fisiológico na junção atrioventricular (AV) e/ou sistema His-Purkinje, cuja duração é de 120 a 200 ms, considerando FC de até 90 bpm. O intervalo PR varia de acordo com a FC e a idade, existindo quadros de correção.

Atraso da Condução Atrioventricular (AV)

o estudarmos os atrasos, é importante lembrar da característica eletrofisiológica normal do nódulo AV, denominada condução decremental. Essa propriedade refere-se à redução da velocidade de condução do estímulo elétrico no nó AV e pode ser estimada por meio do intervalo PR no ECG convencional. Esse intervalo é considerado normal no adulto quando se encontra entre 120 a 200 ms e depende muito da idade e da frequência cardíaca.

Os atrasos da condução atrioventricular (AV) ocorrem quando os impulsos atriais sofrem retardo ou falham em atingir os ventrículos. Anatomicamente, esses atrasos podem estar localizados no próprio nódulo AV (bloqueio nodal), no tronco His– Purkinje (bloqueio intra-His) ou abaixo dele (bloqueio infra-His). Geralmente os atrasos nodais apresentam-se com complexos QRS estreitos (< 120 ms) e possuem bom prognóstico, e podem ser expressos pelo aumento do intervalo PR.

Por outro lado, é comum que os atrasos intra e infra-His cursem com complexos QRS alargados e pior evolução. Não é comum, nesses casos, a presença de intervalo PR normal. Salientamos que o nó AV sofre importante influência do sistema nervoso autônomo, portanto, nas situações em que haja predominância do tônus parassimpático (durante sono, atletas), pode-se observar bloqueio AV de 1º grau e/ ou bloqueio AV de 2º grau tipo I, sem haver lesão do nó AV.

Bloqueio AV de Primeiro Grau

Nesta situação, o intervalo PR é superior a 200 ms em adultos, para FC entre 50 a 90 bpm.

Bloqueio AV de Segundo Grau Tipo I (Mobitz I)

Nesta situação, o alentecimento da condução AV é gradativo (fenômeno de Wenckebach). Tipicamente, existe
aumento progressivo do intervalo PR, sendo tais acréscimos gradativamente menores, até que a condução AV fique bloqueada e um batimento sinusal não consiga ser conduzido.

Há, portanto, um gradual aumento do intervalo PR com concomitante encurtamento dos intervalos RR até uma onda P ser bloqueada. Pode ocorrer repetição desse ciclo por períodos variáveis, quando é possível notar que o intervalo PR após o batimento bloqueado será o menor dentre todos, e o que o sucede terá o maior incremento percentual em relação aos posteriores. A frequência de bloqueio pode ser variável, por exemplo, 5:4, 4:3, 3:2.

Bloqueio AV de Segundo Grau Tipo II (Mobitz II)

Nesta situação, existe uma interrupção súbita da condução AV. Nota-se condução AV 1:1 com intervalo PR fixo e, repentinamente, uma onda P bloqueada, seguida por nova condução AV 1:1 com PR semelhante aos anteriores. A localização desse bloqueio localiza-se na região intra/infra His-Purkinje.

Bloqueio AV 2:1

Caracteriza-se pela alternância de uma onda P conduzida e outra bloqueada de origem sinusal. A maior
parte desse bloqueio localiza-se na região intra/infra HisPurkinje. Deve-se excluir o diagnóstico de extrassístoles atriais não conduzidas.

Bloqueio AV Avançado ou de Alto Grau

Nesta situação, existe condução AV em menos de 50% dos batimentos sinusais, sendo em proporção 3:1, 4:1 ou maior. Geralmente, a presença de condução AV é notada pelo intervalo PR constante em cada batimento seguido de um QRS. A maior parte desse bloqueio localiza-se na região intra/infra His-Purkinje. Podem acontecer escapes juncionais.

Bloqueio AV do Terceiro Grau ou BAV Total (BAVT)

Neste caso, os estímulos de origem sinusal não conseguem chegar aos ventrículos e despolarizá-los, fazendo com que um foco abaixo da região de bloqueio assuma o comando ventricular.

Não existe, assim, correlação entre a atividade elétrica atrial e ventricular (dissociação atrioventricular), o
que se traduz no ECG por ondas P não relacionadas ao QRS. A frequência do ritmo sinusal é maior que a do ritmo de escape.

O bloqueio AV do terceiro grau pode ser intermitente ou permanente. Bloqueios com origem supra-hissiana podem apresentar-se com escapes de morfologia semelhantes ao do ECG basal, enquanto que a origem infra-hissiana evidencia complexos QRS largos como escapes.

Bloqueio AV Paroxístico

É a ocorrência, de forma súbita e inesperada, de uma sucessão de ondas P bloqueadas.

Pré-Excitação Ventricular

Em pacientes com pré-excitação, feixes musculares persistem, de permeio ao tecido fibroso, servindo como vias acessórias da condução do estímulo elétrico entre os átrios e os ventrículos. Essas vias extras podem estar em qualquer parte do anel atrioventricular (ver figura).

A Análise do Ritmo Cardíaco
Figura – A Análise do Ritmo Cardíaco

São características do padrão clássico: intervalo PR menor que 120 ms durante o ritmo sinusal em adultos e menor que 90 ms em crianças (variando com a idade e a frequência cardíaca); entalhe da porção inicial do complexo QRS (onda delta), que interrompe a onda P ou surge imediatamente após seu término; duração do QRS maior que 120 ms em adultos e maior que 90 ms em crianças; alterações secundárias de ST e T.

Na presença desses achados eletrocardiográficos, a presença de taquicardia paroxística supraventricular
sintomática configura a Síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW).

A via acessória pode ser localizada anatomicamente pelo ECG. As vias laterais esquerdas são as mais comuns
(50% dos casos), seguidas das posterosseptais (25%), laterais direitas (15%) e anterosseptais (10%).

As regiões anteriores do anel atrioventricular são superiores, assim, vias acessórias nessa localização determinam ativação no sentido superoinferior, com positividade da onda delta nas derivações inferiores.

Região basal posterior

Já a região basal posterior é inferior, dessa maneira vias acessórias aí situadas geram ativação anômala que foge dessa região, com consequente negatividade da onda delta nas derivações inferiores. Mais raramente, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com a situação de PR curto sem onda delta, presente na síndrome de Lown-Ganong-Levine,31 e o PR normal com pré-excitação ventricular, presentes nas vias fascículo ventriculares, como na variante de Mahaim.

Vias anômalas

As vias anômalas podem ser categorizadas quando o complexo QRS é predominantemente positivo (R) em
V1 e V2, o que indica uma via acessória à esquerda, e quando o QRS é negativo (QS ou rS), a via encontra-se à
direita. As vias laterais esquerdas manifestam-se no ECG através de onda delta negativa nas derivações D1 e/ou aVL, positiva nas derivações D2, D3 e aVF, e em V1 e V2. As vias anômalas direitas apresentam onda delta positiva nas derivações D1, D2 e aVL e, geralmente, negativa nas derivações D3 e aVF, assim como em V1.

O eixo elétrico do QRS no plano frontal é desviado para a esquerda. Já as vias posterosseptais apresentam ao ECG onda delta negativa em D2, D3 e aVF. A importância do reconhecimento das localizações das vias anterosseptais e mediosseptais está relacionada à sua proximidade ao feixe de His, trazendo maior risco durante a ablação com cateter. Em ambas as localizações, a onda delta é positiva nas derivações D1, D2 e aVL, além de negativa em D3 e aVR e positiva/isoelétrica em aVF, com eixo elétrico do QRS normal. Em 80%, a transição R/S ocorre em V2.

A análise dos complexos QRS em V1 e V2 fará a diferenciação se estão à direita ou à esquerda. Existem vários algoritmos para a localização da via acessória, baseados na polaridade do QRS ou da via anômala. Devemos lembrar que entidades podem simular a presença de pré-excitação (falsos WPW) como a cardiomiopatia
hipertrófica e formas familiares de depósito septal de glicogênio (doença de Fabry).

Outros Mecanismos de Alteração da Relação AV Normal

Dissociação AV

A dissociação AV tem como causas os seguintes mecanismos: substituição, interferência, bloqueio
atrioventricular e dissociação por arritmia. Ocorrem dois ritmos dissociados, sendo um atrial, geralmente sinusal, com PP regular, e outro de origem juncional ou ventricular, também com RR regular. A frequência destes focos pode ser similar (dissociação isorritmica). O ritmo ventricular pode ser hiperautomático.

Ativação Atrial Retrógrada

A ativação do átrio origina-se a partir de um estímulo juncional ou ventricular, com condução retrógrada,
geralmente pelo nó AV ou por uma via anômala. Observa-se QRS seguido de onda P negativa nas derivações inferiores.

Referência: 

Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos — 2022. Brazilian Society of Cardiology Guidelines on the Analysis and Issuance of Electrocardiographic Reports — 2022 (Baixar Diretriz da SBC 2022)

  1. Normatização para Análise e Emissão do Laudo Eletrocardiográfico
  2. Avaliação da Qualidade Técnica do Traçado
  3. A Análise do Ritmo Cardíaco
  4. Condução Atrioventricular
  5. Análise da Ativação Ventricular
  6. Sobrecarga das Câmaras Cardíacas
  7. Análise dos Bloqueios (Retardo, Atraso de Condução) Intraventriculares
  8. Análise do ECG nas Coronariopatias
  9. Análise da Repolarização Ventricular
  10. O ECG nas Canalopatias e Demais Alterações Genéticas
  11. Caracterização das Alterações Eletrocardiográficas em Situações Clínicas Específicas
  12. O ECG em Atletas
  13. O ECG em Crianças
  14. O ECG durante Estimulação Cardíaca Artificial
  15. Tele-eletrocardiografia
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