O ECG em Crianças

O ECG em Crianças

Atualizado em 15/03/2023 às 09:39

O ECG (eletrocardiograma) em crianças pode diferir do ECG em adultos devido às diferenças anatômicas e fisiológicas do coração em desenvolvimento. O ECG em crianças é frequentemente usado para avaliar a presença de arritmias cardíacas, defeitos cardíacos congênitos e outras condições cardíacas.

Algumas das principais diferenças que podem ser observadas no ECG de crianças em comparação com adultos incluem:

  1. Frequência cardíaca: A frequência cardíaca normal em crianças é mais elevada do que em adultos. A frequência cardíaca pode variar de acordo com a idade da criança.
  2. Amplitude das ondas: A amplitude das ondas P, QRS e T pode ser menor em crianças do que em adultos devido ao tamanho do coração.
  3. Ondas e intervalos: As ondas P, QRS e T podem ter uma forma diferente em crianças em comparação com adultos. Os intervalos PR e QT também podem ser diferentes em crianças.
  4. Posição dos eletrodos: A posição dos eletrodos pode diferir em crianças, dependendo do tamanho e da anatomia do tórax.

É importante lembrar que a interpretação do ECG em crianças pode ser desafiadora, especialmente em recém-nascidos e lactentes. Além disso, certas condições cardíacas congênitas podem não ser detectadas pelo ECG sozinho e podem exigir outras formas de diagnóstico, como ecocardiografia ou ressonância magnética cardíaca.

Portanto, é importante que o ECG em crianças seja interpretado por um médico especialista em cardiologia pediátrica, que possa determinar se as anormalidades são benignas ou requerem avaliação adicional.

A Enfermagem em cardiologia

Os profissionais da enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem), podem trabalhar em cardiologia. Eles são extremamente importantes nas atividades referentes aos cuidados em cardiologia.

O Enfermeiro também pode realizar Enfermagem em Cardiologia, uma Especialização regulamentada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), através da Resolução Cofen n.º 581/2018.

A seguir, descreveremos de forma mais detalhada sobre “O ECG em Crianças”, segundo a última Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada em 2022.

Interpretação do ECG da crianças

Embora os princípios gerais para a interpretação do ECG da criança e do adulto sejam bastante semelhantes, a análise do ECG pediátrico constitui um desafio à prática clínica. Tal fato se deve, na maioria, à ocorrência de padrões eletrocardiográficos específicos na criança, relacionados à idade e às alterações anatômicas e fisiológicas próprias do desenvolvimento.

O ECG do recém-nascido reflete as repercussões da circulação fetal sobre o ventrículo direito e as alterações anatomofisiológicas decorrentes da transição para a circulação neonatal. Até a 32.ª semana de gestação, o ventrículo esquerdo é maior que o direito. A partir dessa fase até o final da gestação, prevalece o ventrículo direito devido ao aumento progressivo da resistência vascular pulmonar.

Ao nascimento, a aeração dos pulmões leva à queda acentuada da pressão arterial pulmonar, enquanto a remoção da placenta e fechamento do canal arterial elevam a resistência vascular sistêmica.

Em geral, ao final do primeiro mês de vida, o ventrículo esquerdo se iguala ao direito para depois predominar anatomicamente sobre o ventrículo direito.

A maioria das mudanças adaptativas acontecem ao nascimento e durante o primeiro ano de vida. O amadurecimento do sistema nervoso autônomo, o crescimento corporal e alterações na posição do coração ocorrem de maneira progressiva até a fase adulta.

Como resultado, o ECG normal muda rapidamente nas primeiras semanas de vida da criança, e somente por volta dos dois a três anos a criança começa a apresentar gradativamente padrões eletrocardiográficos semelhantes aos de um adulto.

Aspectos Técnicos

O ECG de crianças deve incluir as doze derivações clássicas, que podem ser complementadas pelas derivações
V3R e V4R quando há suspeita de sobrecarga das câmaras direitas. Artefatos são comuns e em geral se devem a posicionamento inadequado dos eletrodos, deformidades na parede torácica, e movimentos (voluntários ou não) próprios de cada faixa etária.

Tabela 1 - Achados eletrocardiográficos normais e particulares da criança
Tabela 1 – Achados eletrocardiográficos normais e particulares da criança

Na população pediátrica, a variação nos valores normais de diversos parâmetros eletrocardiográficos com a idade faz da consulta a tabelas e gráficos, prática corriqueira e necessária.

Grande parte desses valores, particularmente os relacionados ao primeiro ano de vida, deriva dos dados canadenses de Davignon et al., que, apesar da existência de estudos mais recentes, permanecem como principal referência na prática clínica.

Ainda é discutível se esses dados podem ser extrapolados para a população brasileira. Há, atualmente, dois estudos baseados na população brasileira. Um deles, com quase cem recém-nascidos a termo com ecocardiograma normal na primeira semana de vida, mostrou parâmetros eletrocardiográficos diferentes dos de Davignon.

O segundo, numa população acima de um ano de idade, incluiu mais de um milhão de crianças. A leitura computadorizada e automática do ECG tem acurácia questionável em pediatria e seu uso rotineiro ainda não é recomendável.

Parâmetros Eletrocardiográficos e suas Variações

O ECG de criança deve ser avaliado sistematicamente e de acordo com a faixa etária.

Sua análise deve considerar da mesma forma que no ECG de adulto: ritmo, frequência cardíaca, onda P (eixo, amplitude e duração), condução atrioventricular, complexo QRS (eixo, duração e morfologia), segmento ST, onda T e onda U. Devem ser realizados de rotina a medida do intervalo QT e o cálculo do QT corrigido.

Frequência Cardíaca e Ritmo Sinusal

A massa contrátil e complacência ventricular são relativamente menores na criança, particularmente durante o primeiro ano de vida. Como resultado, seu débito cardíaco depende basicamente da frequência cardíaca (FC), que é bem mais elevada em crianças que em adultos. Um recém-nascido saudável pode apresentar FC de 150 a 230 bpm, conforme o seu grau de atividade.

A FC normal aumenta do primeiro dia até o primeiro e o segundo mês de vida e retorna a valores próximos aos registrados ao nascimento no sexto mês. A partir de então, a FC cai progressivamente para, por volta dos 12 anos, chegar a valores considerados normais para adultos.

Arritmia Sinusal

Bastante frequente em crianças, em geral, é fásica e se relaciona à respiração. É menos pronunciada em frequências cardíacas mais elevadas e em neonatos, principalmente na primeira semana de vida.

Taquicardia Sinusal

Ritmo sinusal com FC acima do 98.º percentil para a idade, em geral menor que 220 bpm. A taquicardia sinusal pode ter diversas causas, sendo as mais frequentes: atividade física, febre (aumento da FC em 10 bpm para cada grau Celsius de elevação na temperatura corporal), anemia e desidratação.

Bradicardia Sinusal

Ritmo sinusal com frequência cardíaca abaixo do 2.º percentil para a idade. Pode ter várias etiologias, como infecções, insuficiência respiratória, hipotermia, hipotireoidismo e aumento da pressão intracraniana. Em neonatos, a ocorrência de bradicardia sinusal transitória pode estar associada à passagem transplacentária de anticorpos anti-Ro/SSA, principalmente em mães portadoras de lúpus eritematoso sistêmico ou outras doenças do tecido conjuntivo. Por fim, pacientes com canalopatias cardíacas, como a síndrome do QT longo tipo 3 e a síndrome de Brugada, podem manifestar bradicardia sinusal.

Outras Bradicardias

O prolongamento súbito do intervalo P-P é comum, ocorre em quase metade dos neonatos normais e um sexto dos adolescentes. Essas pausas com frequência se relacionam a um aumento no tônus vagal e algumas podem ser sucedidas por batimentos de escape supraventriculares ou ventriculares.

Tabela 2 - Parâmetros eletrocardiográficos de normalidade conforme a idade
Tabela 2 – Parâmetros eletrocardiográficos de normalidade conforme a idade

A onda P e a Atividade Elétrica Atrial

As características de ativação dos átrios permanecem relativamente constantes ao ECG em todas as idades. A determinação do eixo da onda P é crucial para a determinação da região de origem do ritmo, do situs víscero-atrial e da posição cardíaca.

O eixo da onda P (SÂP) sinusal está entre 0 e +90 graus. A onda P normal não deve ultrapassar 0,12 s de duração e 2,5 mm de amplitude, parâmetros que pouco variam nas diferentes faixas etárias da criança.

Sobrecargas Atriais

A sobrecarga atrial direita produz um aumento na amplitude da onda P, melhor visualizado em DII. A sobrecarga atrial esquerda se caracteriza pelo aumento da duração total da onda P (conforme o percentil para a idade) e/ou da sua deflexão final em V1 (> 40ms em duração e > 0,1 mV em amplitude).

Ritmo Juncional

Caracterizado por mudanças na morfologia da onda P e diminuição do intervalo PR, usualmente associadas à lentificação gradual da frequência sinusal. O ritmo juncional pode ocorrer em até um terço das crianças normais e tem duração variável. É mais comum durante o sono, mas pode ocorrer na vigília e, em geral, não tem significado patológico.

Intervalo PR e a Condução Atrioventricular

O intervalo PR aumenta com a idade, é inversamente proporcional à FC e varia conforme o tônus autonômico.

Bloqueios Atrioventriculares

Episódios de bloqueio atrioventricular de primeiro grau e de segundo grau tipo I ocorrem em cerca de 10% das crianças e até 20% dos adolescentes normais, eventualmente ocorrendo períodos de bloqueio atrioventricular do tipo 2:1.

São mais frequentes durante o sono, mas podem também ocorrer na vigília, principalmente em indivíduos vagotônicos e atletas.

Os bloqueios atrioventriculares de segundo grau tipo II e avançado, e o de terceiro grau (bloqueio atrioventricular total – BAVT) são geralmente patológicos, e podem ocorrer de maneira isolada ou se associar a malformações cardíacas complexas.

A forma isolada do BAVT congênito incide em 1:20.000 nascidos vivos e comumente se relaciona à passagem transplacentária dos anticorpos maternos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB.

Intervalo PR curto e Pré-excitação Ventricular

O intervalo PR curto pode ser detectado nos casos de ritmos atriais baixos ou juncionais e em doenças de acúmulo, como as de Pompe e de Fabry. A pré-excitação ventricular caracteriza-se pelo encurtamento do intervalo PR associado à onda delta.

A pré-excitação ventricular intermitente não é incomum entre recém-nascidos e crianças. Mesmo quando persistentes, as alterações eletrocardiográficas da pré-excitação podem ser sutis em crianças e detectadas apenas através das derivações precordiais médias (V3-V4).

A síndrome de Wolff-ParkinsonWhite (WPW) tem incidência de 0,15 a 0,3% na população pediátrica em geral. Verifica-se aumento da prevalência de pré-excitação ventricular em indivíduos portadores de cardiomiopatia hipertrófica, anomalia de Ebstein, L-transposição das grandes artérias e tumores cardíacos.

Atividade Elétrica Ventricular

As alterações mais acentuadas da atividade elétrica ventricular ocorrem durante o primeiro ano de vida da criança. Nos primeiros dias de vida, o eixo elétrico do QRS (SÂQRS) orienta-se para a direita e para baixo no plano frontal, pode variar entre 55° e 200o e reflete o predomínio do VD sobre o VE, menos evidente nos traçados de recém-nascidos prétermo, uma vez que no feto com menos de 32 semanas, o VE é maior que o VD.

À medida que a criança cresce, o SÂQRS se devia para a esquerda e, quando a criança completa seis meses, está ao redor de 65º.

No plano horizontal, o eixo do QRS orienta-se para a direita e para frente ao nascimento. Ainda durante a primeira semana de vida, o SÂQRS desvia-se para a esquerda, mas mantém orientação anterior, resultando no aumento da onda R em V6 com persistência de R pura em V1.

O desvio do eixo do QRS para trás no plano horizontal é gradativo. Desta forma, a onda R diminui lentamente em V1 no decorrer do primeiro ano de vida, mesmo quando já exibe padrões normais em V5 e V6.

A morfologia dos complexos QRS nas derivações precordiais muda durante o desenvolvimento da criança, sendo ditada pelas alterações do eixo de ativação elétrica ventricular.

Observam-se:

  • Amplitude da onda R de V1 cresce durante o primeiro mês de vida da criança e depois diminui lentamente por vários anos. Sua amplitude nessa derivação deve ser < 18 mm no primeiro ano de vida e < 10 mm após;
  • Do nascimento até os seis meses, a R de V1 é maior que a R de V6. A amplitude da R em V1 torna-se praticamente igual à de V6 entre os seis e doze meses. A partir de então, a amplitude da R aumenta em V6 e diminui em V1 progressivamente;
  • Ondas Q são normais e podem ser bastante pronunciadas nas derivações inferiores e precordiais laterais esquerdas, representando a ativação septal, embora estejam ausentes em DI e aVL. A amplitude das ondas Q varia conforme a idade da criança e a derivação analisada. Sua duração não deve ultrapassar o valor de 0,03 s.

Em neonatos, o QRS pode ser bastante estreito — em geral, menor que 0,08 s. Sua duração aumenta progressivamente com a idade, principalmente a partir do terceiro ano de vida.

Alterações do Eixo e da Amplitude do QRS

O desvio do eixo para a esquerda pode ser observado em diversas doenças, dentre elas defeitos do septo ventricular, atresia tricúspide e síndrome de WPW, mas pode ser uma variante do normal. O desvio do eixo para a direita pode acontecer na Síndrome de Noonan mesmo na ausência de hipertensão pulmonar importante e na sobrecarga de VD.

  • Sobrecarga do ventrículo direito: pode ser suspeitada na presença de onda T positiva em V1 após a primeira semana de vida e do aumento das amplitudes da R, em V1, e da S, em V6. O padrão QR em V1 é comumente visto nos casos de sobrecargas pressóricas e o rSR’ nos quadros de sobrecarga de volume do VD;
  • Sobrecarga do ventrículo esquerdo: o ECG tem acurácia limitada para detecção da sobrecarga do VE em crianças. Os sinais que mais auxiliam no diagnóstico da SVE são aumento da S em V1, aumento da amplitude da R em V6 e anormalidades da onda T em V5 e V6;
  • Sobrecarga bicameral (VD + VE): resulta em complexos amplos e isodifásicos nas derivações precordiais médias — sinal de Katz-Wachtel. A soma de R+S > 60 mm em V4 é bastante específica e pode ocorrer, por exemplo, nos casos de defeitos amplos do septo interventricular.

Alterações das Ondas Q

Ondas Q patológicas podem ser vistas em crianças com coronária anômala, pré-excitação ventricular, miocardites, miocardiopatias e distrofias musculares.

São frequentes no ECG de pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, principalmente nas derivações anterolaterais (V4 a V6, DI e aVL) e, geralmente, estão associadas a sinais de sobrecarga ventricular, alterações do segmento ST e da onda T. Deve-se ressaltar que a presença de onda Q em V1 é sempre patológica.

Distúrbios da Condução Intraventricular

O diagnóstico do bloqueio de ramo em crianças é determinado pela duração do QRS e a idade do paciente. O bloqueio de ramo direito pode ocorrer em algumas formas de cardiopatia, como a anomalia de Ebstein, e após cirurgia corretiva de malformações congênitas, como a tetralogia de Fallot e a comunicação intraventricular. Formas congênitas isoladas de bloqueio de ramo, tanto direito ou esquerdo, são raras. Atresia tricúspide, comunicação interatrial do tipo ostium primum, coronária anômala e defeitos do septo atrioventricular podem se associar ao bloqueio divisional anterossuperior do ramo esquerdo. O achado de bloqueio de ramo esquerdo é menos frequente em crianças.

A presença de BRE em pacientes com cardiomiopatias graves resulta de acometimento significativo do VE / sistema de condução e geralmente carrega um mau prognóstico.

Repolarização Ventricular

A repolarização ventricular é avaliada no ECG de superfície através da medida do intervalo QT e da análise da morfologia do segmento ST, da onda T e da onda U, nas diferentes derivações.

Intervalo QT

A duração do intervalo QT guarda relação inversa com a frequência cardíaca – quanto maior a FC, menor o intervalo QT e vice-versa. Em crianças, certas peculiaridades devem ser analizadas:

  • O intervalo QT deve ser medido em DII, V5 e V6 – utilizar o maior deles para o cálculo do QTc;
  • Em FC mais altas, a onda P pode se sobrepor à onda T, dificultando a mensuração do QT, principalmente se prolongado;
  • A onda U pode ser bastante proeminente em crianças e não deve ser computada no intervalo QT se estiver bem separada da T. Quando ocorrer fusão entre T e U, ou se a U for bastante ampla (>50% da T), a técnica da tangente deve ser utilizada;
  • Nos casos de arritmia sinusal importante, o QTc deve ser calculado através da média das medidas obtidas em vários ciclos cardíacos;
  • Aos 4 dias de vida, crianças de ambos os gêneros têm QTc médio de 400 ± 20 ms. Por volta dos dois meses, ocorre um prolongamento fisiológico do QTc (média 410 ms), que diminui progressivamente até os seis meses, quando retorna aos valores registrados na primeira semana de vida;
  • O intervalo QTc normal em crianças é de até 440 ms (percentil 97,5);
  • Apesar de seu uso rotineiro como triagem cardiovascular em pediatria ainda estar em debate, o ECG tem papel crucial no diagnóstico precoce de cardiopatias arritmogênicas letais que se manifestam na infância e na adolescência, com destaque para a síndrome do QT longo.

Síndrome do QT Longo

Manifesta-se principalmente durante a infância e adolescência — poucos pacientes têm sintomas durante o primeiro ano de vida. Morte súbita é a apresentação inicial da SQTL em até 12% dos casos. Apesar de a doença ser relativamente rara, esforços empregados para a sua triagem se justificam pela eficácia do tratamento precoce na prevenção da morte súbita.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com causas secundárias de prolongamento do QTc – vide item 11 para maior detalhamento. Durante os primeiros meses de vida, filhos de mães portadoras de doenças autoimunes que expressam o Anti-Ro/SSA podem apresentar QTc bastante prolongado, achado em geral transitório e que se normaliza por volta do sexto mês.

Segmento ST em crianças

O desnivelamento do segmento ST deve ser sempre medido com relação à linha isoelétrica que geralmente está na altura do segmento PQ. Em neonatos e bebês, a altura do segmento TP (linha isoelétrica entre onda T e onda P seguinte) é mais indicada como referência para a linha de base.

Desnivelamentos do Segmento ST

Discretos desnivelamentos do ST são comuns durante o primeiro mês de vida, quando em geral são < 2 mm. Supradesnivelamentos de até 3 mm ocorrem com alguma constância nas precordiais direitas e constituem achado normal, principalmente a partir de um ano de idade.

Sobrecargas ventriculares, cardiomiopatias, pericardites, préexcitação ventricular, anomalia coronariana, fármacos, dentre outros, podem alterar a repolarização ventricular, levando ao supra ou infradesnivelamento do segmento ST. Apesar de pouco sensível, o infradesnivelamento do ST tem boa especificidade para o diagnóstico de sobrecarga ventricular.

Casos de origem anômala do tronco coronariano esquerdo (saindo da artéria pulmonar) manifestam-se como infarto anterior extenso usualmente depois do primeiro mês de vida.

Padrão eletrocardiográfico de Brugada

O padrão de Brugada é raro em crianças e sua frequência é bem menor na população pediátrica que na adulta.

Onda T ao nascimento

Ao nascimento, ondas T positivas nas derivações precordiais direitas são normais e se devem provavelmente à adaptação fisiológica do VD às novas características hemodinâmicas e menor elasticidade miocárdica. Em crianças normais, após o segundo ou terceiro dia de vida, a onda T passa a se orientar para trás e para a esquerda, tornando-se negativa em V1 ao final da primeira semana.

Dos sete dias aos sete anos de idade, ondas T positivas em V1 em geral se associam à SVD. A onda T pode permanecer negativa de V1 a V4 – padrão juvenil – até os 12-14 anos, quando se torna positiva de V2 a V6. A persistência de T negativas nessas derivações após essa idade pode ser considerada variante do normal em 1-3% dos casos e, portanto, deve ser investigada.

Pericardites, miocardites, cardiomiopatias, isquemia miocárdica, sobrecargas ventriculares e distúrbios hidroeletrolíticos podem também levar a alterações da T. Ondas T simétricas, negativas e amplas nas derivações precordiais não são incomuns em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica.

A presença de lesões cerebrais agudas graves em crianças pode cursar com ondas T negativas e de longa duração, em várias derivações, alteração conhecida como “T cerebral”.

Onda U em crianças

Nem sempre é visível ao ECG, mas pode ser proeminente em crianças, em casos de hipocalemia, uso de antiarrítmicos e síndrome do QT Longo.

Distúrbios do Ritmo Cardíaco

Os critérios eletrocardiográficos utilizados para a avaliação de arritmias cardíacas em crianças seguem os utilizados para adultos.

Reconhecimento do Situs, da Posição Cardíaca e da Inversão Ventricular

O reconhecimento do situs através do ECG baseia-se fundamentalmente na orientação da onda P, que se inscreve positivamente em D1 e V6 no situs solitus e negativamente, no inversus. Nesse caso, a inversão de eletrodos e o ritmo atrial esquerdo são os principais diagnósticos diferenciais. No plano frontal, em pacientes com situs solitus e levocardia, o SÂP e o SÂQRS situam-se no quadrante inferior esquerdo.

No situs inversus com dextrocardia, o eixo da P e do QRS estão localizados no quadrante inferior direito. O SÂP e o SÂQRS encontram-se em quadrantes diferentes quando há discordância entre situs e posição cardíaca, como na dextrocardia com situs solitus, que comumente se associa a cardiopatias congênitas complexas.

A orientação dos primeiros vetores (5-20 ms) do QRS é importante na determinação da posição dos ventrículos. Na inversão ventricular, os primeiros vetores orientam-se para a esquerda e não se observam ondas Q em D1 e V6.

Referência: 

Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos — 2022. Brazilian Society of Cardiology Guidelines on the Analysis and Issuance of Electrocardiographic Reports — 2022 (Baixar Diretriz da SBC 2022)

Apresentação e Introdução da Diretriz SBC 2022

  1. Normatização para Análise e Emissão do Laudo Eletrocardiográfico
  2. Avaliação da Qualidade Técnica do Traçado
  3. A Análise do Ritmo Cardíaco
  4. Condução Atrioventricular
  5. Análise da Ativação Ventricular
  6. Sobrecarga das Câmaras Cardíacas
  7. Análise dos Bloqueios (Retardo, Atraso de Condução) Intraventriculares
  8. Análise do ECG nas Coronariopatias
  9. Análise da Repolarização Ventricular
  10. O ECG nas Canalopatias e Demais Alterações Genéticas
  11. Caracterização das Alterações Eletrocardiográficas em Situações Clínicas Específicas
  12. O ECG em Atletas
  13. O ECG em Crianças
  14. O ECG durante Estimulação Cardíaca Artificial
  15. Tele-eletrocardiografia
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