O Processo de Morte e Morrer e a Bioética na Assistência de Saúde e de Enfermagem

Atualizado em 22/01/2022 às 06:00

A sobrevida de pacientes em processo de terminalidade vem aumentando atualmente. 

Isto se deve aos avanços tecnológicos na área da saúde, que proporcionam maiores possibilidades de terapêutica para estes pacientes, o que prolonga a sua sobrevida.

 Porém o aumento desta sobrevida não sugere um aumento na “qualidade de vida” dos pacientes em processo de Morte e Morrer.

Para tal, é necessário que haja fundamentos nos quais a assistência na terminalidade esteja firmada, regrando o exercício profissional, e direcionando o cuidado, a fim de que os Cuidados Paliativos não tenham o seu foco, que é o paciente, e ideal distorcido, que são a promoção de qualidade de vida na morte, ou seja, proporcionar uma morte com dignidade.

Apesar de já não existir uma discussão sobre a manutenção da vida nos Cuidados Paliativos em relação ao processo de Morte e Morrer, como a morte pode ser afirmada como uma certeza, e as condições já estabelecidas são irreversíveis, a vida se torna o foco em si, ou a “vida na morte”, ou seja, os Cuidados Paliativos procuram proporcionar maior qualidade de vida no processo até a chegada da morte.

Então a qualidade, que se dá pela dignidade, é alcançada a partir do respeito ao paciente, respeito que se dá pelo cumprimento de seus direitos, principalmente o da autonomia sobre a sua terapêutica. A Bioética é quem levanta esta discussão na assistência de saúde, assegurando que os pacientes sejam enxergados de forma integral, e não tenham seus direitos violados.

Bioética é um termo que surgiu em uma publicação de Fritz Jahr, no periódico alemão Kosmos, em 1927. Sendo definida como reconhecimento de obrigações éticas em relação ao ser humano e a humanidade. Em 1979, foram estabelecidos os fundamentos da Bioética Clínica, a partir de uma obra denominada Princípios de Ética Biomédica, sendo eles: autonomia, beneficência e justiça, acrescentando posteriormente a não maleficência. Foi adicionado ainda um quinto fundamento, sendo a Precaução.

Tais fundamentos regram o exercício profissional na área da saúde, mas a bioética tem influência sobre diversas áreas, tendo como objetivo, fazer com que os profissionais entendam seus limites e responsabilidades, bem como direitos e deveres, para com a sociedade e seus clientes. Por isto, a bioética compreende temas desde a manipulação genética, até a gestão ambiental. Regendo, na área clínica, questões geradoras de conflito, desde o início até o fim da vida.

Então, a Bioética é um campo em constante desenvolvimento, que se adequa a realidade das áreas em que é empregada, discutindo temas atuais. E em relação aos Cuidados Paliativos no processo de Morte e Morrer, a Bioética defende o que chamamos de ortotanásia. Sendo ela o limite da conduta médica no processo de terminalidade, fundamentado nos princípios da bioética, em um conjunto de cuidados.

A ortotanásia se refere então, ao processo de morte que ocorre de forma natural, sem que haja aceleração da morte, ou o seu prolongamento. É uma morte natural, porém assistida pela equipe multiprofissional de saúde, de forma que supra todas as necessidades do cliente, bem como aliviando e prevenindo os possíveis agravos, seguindo então, os princípios do Cuidado Paliativo.

A discussão bioética estabeleceu também a limitação de esforços terapêuticos (LET), limitando recursos quando não há chance de cura e morte iminente. Tem critérios como o prognóstico da doença, que deve ser de morte, comorbidades, que diz respeito aos danos que se farão presentes devido à doença ou condição atual do paciente, e futilidade terapêutica, que diz respeito a medidas que podem ser tomadas pela equipe, mas que não trariam benefícios suficientes ao paciente.

Tal medida tem por objetivo restringir o uso de terapêuticas que podem ser exageradas para o paciente, e não lhe proporcionem benefícios equivalentes ao seu sofrimento. Evitando que os Cuidados Paliativos possam se transformar em distanásia, tornando a chegada da morte mais longa, e que inclusive pode acabar se tornando mais sofrida para o paciente.

Porém ao se mencionar a ortotanásia e os Cuidados Paliativos, apesar dela aparentar ser uma omissão do cuidado, Ela contém todo um plano terapêutico, focado nas necessidades do paciente, entregando cuidados que são construídos a partir de uma filosofia que foca o paciente no seu todo, sendo assim um cuidado que não é curativo, como no modelo comum de assistência, porém ainda assim, integral.

Quando o cuidado prestado não foca o paciente em sua integralidade, certas vertentes de terapêuticas podem dar lugar ao que os Cuidados Paliativos realmente defendem. Como a obstinação terapêutica, que quando relacionada à assistência empregada por uma equipe de saúde no processo terminal, pode ser chamada de distanásia, e também a aceleração do processo de morte, que chamamos de eutanásia. São estas práticas que continuam sendo adotadas pelas equipes de saúde, mesmo que involuntariamente.

Um plano de cuidados que esteja fundamentado em nestas vertentes de pensamento e filosofias da assistência na terminalidade, caracteriza a falta de prioridade e respeito à dignidade do paciente, indo contra os princípios da Bioética.

Quanto à realização de distanásia e eutanásia no plano assistencial, podem existir extremas ligações e com fatores como a impossibilidade da equipe de saúde em entregar um cuidado que siga o padrão mais fácil e mais empregado de assistência, o padrão de medicalização, de curativismo. Isto pode estar envolvido com o preparo profissional entregue na formação acadêmica, que favorece linhas erradas de pensamento.

Para comprovação de tal argumento, pode se afirmar que atualmente, nos cursos de graduação em Enfermagem, tem se voltado um foco muito maior na assistência em prol da cura de uma patologia ou condição, estado de saúde, e no processo de adoecimento, do que no processo de Morte e Morrer, que muita das vezes não é se quer abordado no curso pelos docentes, ou possui espaço nas grades curriculares.

Então, ao se formarem, tais profissionais não têm se quer o preparo teórico para lhe dar com o paciente paliativo, bem como o preparo prático e psicológico, o que faz com que estes não tenham se quer uma linha de raciocínio traçada para sua assistência ao lhe dar com os Cuidados Paliativos, o que acaba diminuindo drasticamente o padrão de qualidade dos seus serviços. Por isto a Enfermagem deve ter uma forma exata de pensar e agir para cada tipo de assistência, para poder gerir os cuidados adequadamente.

Um dos principais problemas na assistência apontado pela bioética é a promoção e o permitir ao paciente executar sua autonomia, já que muitas das vezes é difícil definir o nível de consciência do paciente sobre si mesmo e sua situação. Porém uma abordagem multiprofissional, mas que principalmente integre familiares e pessoas próximas ao paciente, além do próprio, e que estejam sendo bem informadas pela equipe de saúde, pode ajudar a seguir um modelo assistencial com um olhar de Humanização da morte.

Isto aponta que uma assistência humanizada deve girar em torno de um bom gerenciamento do plano de cuidados e da situação do paciente, porém tudo isso é definido pelo padrão moral que a profissão tem sobre o profissional, pois existem situações aonde este irá lhe dar com dilemas internos que não são somente éticos, porém pessoais, envolvendo sua moral. Um bom exemplo disto é a comunicação verdadeira com familiar e paciente, que acarreta em confiança nos serviços prestados.

Os profissionais que tem sua visão voltada para o paternalismo hipocrático, ou o curativismo, entre outras vertentes de pensamento errôneas presentes na área da saúde, tendem a não utilizar integralmente os fundamentos da Bioética em sua prática, e muito disto pode estar ocorrendo devido aos conflitos de interesse presentes quando se trata das questões relacionadas à Bioética. Isto se deve ao fato de que os fundamentos da Bioética atuais são insustentáveis por si mesmos, dando espaço para interpretações diferenciadas de pessoa para pessoa, e acabam por não serem universais, pressupondo conteúdo.

Então, em razão do respeito ao paciente, e a insustentabilidade que os fundamentos atuais da Bioética clínica apresentam, têm se sugerido atualmente o estabelecimento de um novo fundamento, sendo ele o fundamento da Alteridade, que tem por princípio a percepção do outro, neste contexto, o paciente que necessita da assistência de saúde.

Outro fator importante em relação à assistência é o de que conflitos de natureza ética e social na assistência em relação a pacientes terminais também têm efeitos sobre os profissionais que executam toda a terapêutica dos Cuidados Paliativos, gerando consequências indesejáveis a estes profissionais, como por exemplo, o estresse e desgaste físico e emocional.

Estas consequências estão envolvidas, em sua grande maioria, por não haver forma de enxergar positividade no trabalho e na função executada, diante da situação. Isto pode fazer com que toda a assistência seja prejudicada, ou até ativar mecanismos psicológicos de defesa nos profissionais, que favorecem condições instáveis da mente, que se tornam um caminho para atitudes que não são pautadas na bioética.

Então a Bioética atualmente, tem discutido também a humanização no trabalho e o apoio para com o profissional de saúde que executa de alguma forma os Cuidados Paliativos, a fim de assegurar no final do processo, uma assistência ao paciente de forma íntegra, ética e humana. Pois um profissional que de certa forma esteja debilitado, não poderá executar adequadamente qualquer tipo de prescrição ou realização de cuidado.

A Enfermagem possui o papel de profissional responsável por humanizar a assistência, pois como enfermeiro, sua visão deve estar atenta as reais necessidades que o paciente apresenta, podendo identificá las rapidamente, seja de forma verbal, ou não verbal, e suprindo as da melhor maneira possível, e quando não lhe couber, tendo voz e auxílio de uma equipe multiprofissional. Porém para que isto aconteça, é necessário que o profissional entenda o motivo de se executar Cuidados Paliativos, bem como os seus princípios, que são aquilo que os diferencia de uma assistência comum, intervencionista, curativa.

O modelo de assistência paliativa segue sendo regido pela discussão bioética, que tem por objetivo trazer dignidade humana ao processo de morte. Por isto, o Enfermeiro que executa tais cuidados deve saber e compreender a influência da bioética no seu dia a dia assistencial, gerando ganhos para o paciente em uma assistência humanizada e segurança de exercício profissional.

A Enfermagem também se torna responsável não somente pelas necessidades fisiológicas, porém aquelas psicossociais, espirituais, afetuosas, que nem sempre serão fáceis de dar suporte assistencial, então o profissional deve assumir papel de facilitador, detectando necessidades e tornando possível supri-las.

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