Última atualização: 30/01/2025
A jornada de trabalho dos profissionais de enfermagem é frequentemente marcada por desafios e exigências intensas. Um dos temas mais debatidos na categoria é a dobra de plantão, uma prática que, embora comum em hospitais e unidades de saúde, levanta questionamentos jurídicos e éticos quanto à sua obrigatoriedade. Afinal, pode um profissional de enfermagem ser compelido a estender seu plantão sem seu consentimento?
Fundamentos jurídicos: O direito à recusa
A legislação brasileira é clara ao estabelecer que ninguém pode ser obrigado a realizar qualquer atividade sem respaldo legal. Esse princípio está presente na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso II, que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Isso significa que qualquer imposição de trabalho além da jornada previamente acordada deve ser regulamentada por norma específica.
No caso da enfermagem, não há qualquer previsão legal que determine a obrigatoriedade da dobra de plantão. Nem o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nem os Conselhos Regionais de Enfermagem (COREN) impõem essa prática como uma exigência normativa. Dessa forma, o profissional pode recusar uma jornada excedente, salvo em circunstâncias excepcionais e com sua expressa anuência.
Segurança do paciente e responsabilidade das instituições
A segurança dos pacientes deve ser prioridade para qualquer unidade de saúde. No entanto, essa responsabilidade não pode ser transferida exclusivamente ao profissional de enfermagem. A Resolução COFEN nº 543/2017 destaca que é dever das instituições públicas, privadas e filantrópicas garantir um quadro adequado de profissionais para cobrir eventuais ausências. Caso faltem plantonistas para a continuidade do atendimento, cabe à gestão hospitalar buscar soluções sem sobrecarregar os trabalhadores.
O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem reforça esse ponto em diversos artigos, como o artigo 10, que autoriza o enfermeiro a recusar atividades que coloquem em risco sua segurança ou a dos pacientes. Além disso, o artigo 12 determina que a assistência prestada deve estar livre de negligência, imprudência ou imperícia, fatores que podem ser agravados pela exaustão decorrente da dobra de plantão.
Pandemia e o aumento das demandas
Durante a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus (Covid-19), muitos profissionais de saúde enfrentaram uma carga de trabalho ainda mais intensa. O reconhecimento do estado de calamidade pública levou diversas unidades de saúde a adotarem medidas emergenciais, incluindo a convocação de profissionais para cobrir turnos extras. No entanto, mesmo em uma situação excepcional como essa, a dobra de plantão não se tornou obrigatória por lei. A sobrecarga de trabalho deve ser enfrentada por meio da ampliação de equipes, não pela imposição de jornadas exaustivas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os profissionais de saúde tenham intervalos adequados entre as jornadas, evitando riscos à sua própria saúde e à qualidade do atendimento. Dessa forma, a prática recorrente de exigir plantões dobrados sem descanso adequado pode ser considerada uma violação dos direitos trabalhistas e da segurança do paciente.
Direitos trabalhistas e medidas de proteção
Os profissionais que se sentirem coagidos a realizar a dobra de plantão sem seu consentimento podem adotar algumas medidas para garantir seus direitos:
- Registrar a Coação – Se houver pressão para permanecer além do turno regular, o trabalhador pode documentar a situação por escrito e comunicar formalmente sua negativa à chefia.
- Acionar o Sindicato – Os sindicatos da categoria podem intervir para garantir que os empregadores cumpram as normas trabalhistas.
- Denunciar ao COREN – Caso a exigência de jornada excessiva coloque a segurança dos pacientes ou do profissional em risco, a denúncia pode ser feita ao Conselho Regional de Enfermagem.
- Buscar Amparo Jurídico – O Código de Defesa do Consumidor e as leis trabalhistas permitem que profissionais acionem a Justiça para garantir seus direitos e evitar abusos.
Vale lembrar que, em contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os plantões dobrados, caso sejam aceitos, devem ser remunerados com adicional de 100% sobre o valor da hora normal, conforme previsão em convenções coletivas.
Direito ao descanso e qualidade da assistência
A imposição da dobra de plantão sem consentimento do profissional de enfermagem não encontra respaldo legal. Além de ser um risco para a saúde dos trabalhadores, compromete a segurança dos pacientes e pode configurar infração ética e trabalhista. Para evitar abusos, é fundamental que os profissionais conheçam seus direitos e saibam como agir diante de exigências indevidas.
As instituições de saúde, por sua vez, devem garantir equipes bem dimensionadas, promovendo um ambiente de trabalho que respeite as condições físicas e emocionais dos profissionais. A qualidade da assistência prestada à população depende, sobretudo, de um sistema de saúde que valorize e proteja seus trabalhadores. Ver Vereador Eleito por Guarulhos, Kleber Ribeiro, denuncia tratamento desumano com a Enfermagem.