Última atualização: 28/02/2025
O sorriso contagiante do pequeno Enrico, de apenas quatro anos, ilumina o quarto de hospital onde está internado. Apesar das limitações impostas por sua condição de saúde, ele se movimenta com energia, brincando no leito e desafiando as expectativas médicas. Conectado a um cateter, ele salta e se diverte como qualquer outra criança de sua idade. Para a mãe, Gisele Paixão, cada momento de felicidade do filho é uma vitória. Aos 43 anos, ela tem acompanhado de perto o tratamento do caçula, que recebeu um diagnóstico severo ainda nos primeiros anos de vida.
Quando o problema foi identificado, os médicos informaram à família que Enrico provavelmente não chegaria aos três anos de idade. Hoje, ao celebrar seu quarto aniversário, a história do menino é um exemplo da importância do acesso a cuidados especializados para pacientes com doenças raras.
Milhões de brasileiros afetados
Atualmente, cerca de 13 milhões de pessoas no Brasil convivem com doenças raras, o que representa aproximadamente 5% da população. Segundo dados do Ministério da Saúde, existem cerca de 5 mil tipos catalogados dessas enfermidades, muitas delas com ocorrência tão baixa que menos de mil pacientes são identificados no país.
A definição oficial de uma doença rara, de acordo com o Ministério da Saúde, inclui aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. No caso de Enrico, a condição levou à perda significativa do intestino delgado, restando-lhe apenas cinco centímetros do órgão, insuficientes para absorver os nutrientes essenciais à sua sobrevivência. Para garantir seu desenvolvimento, ele depende de nutrição parenteral, administrada diretamente na corrente sanguínea por pelo menos 15 horas diárias.
Referência no atendimento
O Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, localizado em São Paulo, se tornou referência no tratamento de doenças raras, especialmente as que afetam o sistema digestivo. Administrado pelo Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês, o hospital oferece atendimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e conta com parcerias para modernização de equipamentos e aprimoramento da estrutura física. A dedicação das equipes médicas e de apoio é um dos pilares do sucesso da instituição, que realiza milhares de atendimentos mensais e possui especialização no tratamento da síndrome do intestino curto.
A doutora Jamile Brasil, que atua no hospital há 16 anos, destaca a evolução no tratamento dessas doenças nos últimos anos. O avanço foi impulsionado pela Política Nacional para Doenças Raras e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), que ajudaram a estruturar melhor os centros de referência para atendimento desses pacientes.
O tratamento além do hospital
Uma das iniciativas mais importantes da unidade de saúde foi a implementação do programa de desospitalização, iniciado em 2016. A proposta é garantir que crianças com condições crônicas possam receber tratamento em casa, reduzindo o tempo de internação e proporcionando uma melhor qualidade de vida para os pacientes e suas famílias.
Desde que o programa foi iniciado, mais de 100 crianças passaram pelo processo, e 78 delas já puderam retornar para casa, mantendo acompanhamento contínuo com médicos e enfermeiros especializados. No caso de Enrico, após um período de um ano e oito meses em diferentes hospitais, ele pôde voltar para o ambiente familiar, recebendo suporte remoto de profissionais de saúde e visitas regulares de enfermeiros da rede municipal. O índice de sucesso da iniciativa é notável, com 98% de taxa de sobrevida dos pacientes em nutrição parenteral domiciliar.
Gisele, mãe de Enrico, destaca que a frequência das infecções e o número de internações do filho diminuíram significativamente após o início do tratamento domiciliar. Hoje, a família consegue aproveitar mais momentos juntos, e uma das atividades favoritas do garoto é passear de bicicleta, sempre sob o olhar atento da mãe.
Diagnóstico ainda é um desafio
Um dos principais obstáculos no tratamento de doenças raras é o diagnóstico tardio. Muitas dessas condições são de difícil identificação e exigem exames genéticos e acompanhamento multidisciplinar. No Hospital Menino Jesus, os pacientes chegam encaminhados por unidades básicas de saúde e passam por uma equipe especializada para avaliação e confirmação dos casos.
Vitória Sophia, de 12 anos, levou cerca de cinco anos para receber o diagnóstico da Síndrome de Coffin-Siris, uma condição genética que compromete o desenvolvimento motor e mental. A doença causa déficit de crescimento, crises epilépticas e dificuldades na comunicação. O acompanhamento contínuo de neurologistas, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos é essencial para garantir o suporte necessário à paciente e sua família.
A mãe de Vitória, Maria Ivaneide, precisou deixar o emprego para se dedicar integralmente aos cuidados da filha. Como muitas outras mães na mesma situação, ela enfrenta desafios diários para conciliar a vida financeira e o bem-estar da filha, contando com o apoio do hospital para minimizar os impactos da doença na rotina familiar.
O futuro do tratamento
A diretora do hospital, Jamile Brasil, ressalta a necessidade de fortalecer políticas públicas para ampliar o acesso a diagnósticos precoces e tratamentos específicos para doenças raras. O trabalho multidisciplinar tem sido essencial para identificar condições ocultas e proporcionar uma abordagem mais eficiente no atendimento desses pacientes.
Com a evolução da medicina e iniciativas como o programa de desospitalização, muitas crianças que antes tinham expectativa de vida reduzida agora podem crescer com mais qualidade de vida. Casos como o de Enrico e Vitória Sophia evidenciam a importância do investimento em saúde pública e da criação de centros especializados para garantir que milhares de brasileiros com doenças raras tenham uma chance real de viver com dignidade. Veja também Hospital Ophir Loyola se destaca no tratamento da leucemia no Pará.