Última atualização: 13/02/2025
Nos últimos dez anos, o Brasil registrou um aumento significativo no número de atendimentos a pessoas com transtornos mentais e no consumo de medicamentos para tratar essas condições. De acordo com um boletim divulgado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) em parceria com a Umane, o total de atendimentos psicossociais na rede pública de saúde passou de 13,1 milhões, em 2013, para 26,4 milhões em 2023. O uso de medicamentos antipsicóticos também cresceu de forma expressiva, saltando de 29 milhões para 44,6 milhões de registros no mesmo período.
O aumento reflete não apenas a maior incidência de transtornos como ansiedade, depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia, mas também uma ampliação no acesso a diagnósticos e tratamentos. Especialistas apontam que a procura por auxílio profissional cresceu nos últimos anos, impulsionada por fatores como a pandemia de COVID-19, mudanças sociais, estresse econômico e maior conscientização sobre a importância da saúde mental.
Expansão dos atendimentos e impactos da Reforma Psiquiátrica
A crescente demanda por tratamentos de saúde mental levou à ampliação da rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que passaram de 2,2 mil unidades em 2013 para 3,3 mil em 2023. Os CAPS desempenham um papel fundamental na assistência a pacientes com transtornos mentais, oferecendo acompanhamento psicológico e psiquiátrico, além de serviços de emergência para casos mais graves.
A Reforma Psiquiátrica, implementada no Brasil em 2001, também impactou diretamente esse cenário. A legislação buscou substituir o modelo de internação em hospitais psiquiátricos por um tratamento mais humanizado, baseado na reabilitação e inclusão social. Como resultado, houve uma queda de 53,7% no número de leitos psiquiátricos na rede pública de saúde, que passou de 33.454 para 16.326 vagas. Enquanto isso, o setor privado seguiu uma direção oposta, registrando um crescimento de 18,7% no número de leitos psiquiátricos, que subiram de 10 mil para 12,5 mil no mesmo período.
A mudança no modelo de atendimento visa reduzir o isolamento de pacientes e oferecer um tratamento mais integrado à comunidade. No entanto, especialistas alertam que ainda existem desafios, como a dificuldade de fiscalização de clínicas privadas e a persistência de abordagens inadequadas, incluindo a prática de trabalho forçado e imposição religiosa em algumas instituições.
O aumento do uso de medicamentos e a preocupação com a medicalização
Além do crescimento no número de atendimentos, o relatório do IEPS apontou um aumento expressivo no uso de medicamentos antipsicóticos, que são amplamente prescritos para tratar transtornos como esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão grave. Em 2013, foram registrados 29 milhões de prescrições desses medicamentos no Brasil, número que subiu para 44,6 milhões em 2023.
A maior disponibilidade e prescrição de psicofármacos reflete, em parte, um avanço no acesso ao tratamento. No entanto, há uma crescente preocupação entre especialistas sobre o risco da medicalização excessiva. O uso prolongado de medicamentos sem acompanhamento adequado pode levar a efeitos colaterais indesejados e à dependência química, além de mascarar causas subjacentes dos transtornos mentais.
“A transição do modelo de internação dos manicômios para o modelo de tratamento nos CAPS é um processo social lento e gradual, mas extremamente necessário. Ainda enfrentamos desafios na oferta de tratamentos integrados e no combate a práticas inadequadas, especialmente no setor privado”, explica Dayana Rosa, especialista em saúde mental do IEPS.
O futuro da saúde mental no Brasil
O estudo também revelou um aumento de 66,8% no número de profissionais de nível superior atuando nos CAPS, passando de 8,2 para 13,6 profissionais por 100 mil habitantes. Isso demonstra uma ampliação na estrutura de atendimento, mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que toda a população tenha acesso a um tratamento de qualidade.
O crescimento do uso de medicamentos para transtornos mentais evidencia tanto a evolução do setor quanto a necessidade de políticas públicas eficazes para equilibrar tratamentos farmacológicos com abordagens terapêuticas. O desafio para os próximos anos será garantir que os pacientes recebam o suporte necessário sem depender exclusivamente da medicação, priorizando uma abordagem multidisciplinar e humanizada. Veja também Revolução digital na saúde mental: tecnologia avança na precisão do tratamento da depressão e ansiedade.