Na rotina do profissional de saúde o tema morte é pouco comentado, atuam na perspectiva de promover a saúde, prolongar e manter a vida.
Segundo estudos ao longo da graduação, os assuntos abordados são no âmbito da fisiopatologia e nos procedimentos técnicos utilizados na atenção a paciente grave. Aspectos relacionados ao preparo emocional e psicológico necessários no atendimento desses e aos seus familiares são negligenciados, observando-se uma “desumanização” no atendimento ao paciente terminal (BALSANELLI; SANTOS; SOLER, 2002).
A morte e o morrer são temas que instigam e afligem a quase totalidade das pessoas, incluindo profissionais de saúde. Ninguém passa incólume ante a perspectiva do fim inevitável, independentemente de quem seja a pessoa em risco de morrer.
Quando essa possibilidade advém de doença ou acidente em que o indivíduo permanece horas, dias ou até meses à mercê de medicações e atendimento contínuo, a proximidade ou possibilidade da morte reverbera de forma ainda mais complexa, mesmo entre os profissionais de saúde e aqueles experientes ou devidamente preparados para esses enfrentamentos.
Resta então reconhecer que estudar e refletir acerca da morte e do processo de morrer é o melhor caminho não só para atuar com mais eficiência e dignidade na área de saúde, mas também para recuperar a compreensão da morte como fenômeno natural/normal, como parte da vida.
A morte, por gerar conflitos entre os profissionais de saúde, deve permear as discussões no processo de formação desses profissionais, para que possam compreendê-la como parte integrante da vida.
Finalmente, promover a humanização do atendimento aos pacientes e seus familiares seria um meio de amenizar as dificuldades no trato com a morte, fundamentando todas as ações no contexto da bioética.
A Importância dos Cuidados Paliativos no processo de morte e morrer
Atualmente doenças de prognósticos agudos vêm ganhando maior cronicidade. Isto se deve aos avanços presentes na área da saúde, que vem proporcionando um aumento no tempo de vida da população. Olhando por esta ótica, pode se perceber a grande importância que os Cuidados Paliativos têm e terão com o passar dos anos, sendo cada vez mais necessários como modelo de assistência que contemple o fim da vida.
Porém não somente o fim da vida, ou o processo de morte e morrer, mas os processos de adoecimento tornam se envolvidos, dado o aumento da incidência desta cronicidade nas doenças. E apesar de a longevidade ter aumentado, isto não quer dizer que a qualidade de vida tenha crescido em conjunto com ela. Por isto, é de extrema valia o desenvolver do conhecimento de Cuidados Paliativos, para que haja maior possibilidade de qualidade de vida no adoecer e na morte.
A possibilidade de maior qualidade de vida surge da proposta que os Cuidados Paliativos têm em relação ao processo de adoecimento e o processo de morte e morrer, tendo como objetivo resgatar a dignidade humana do paciente que tem diagnóstico de morte eminente, por meio de um plano terapêutico que esteja embasado nos princípios da bioética, promovendo a autonomia do paciente e/ou familiares.
A enfermagem, enquanto profissão que tem por instrumento a prescrição de cuidados possui um papel fundamental na assistência paliativa, e por isto, deve ter uma assistência que siga o modelo firmado na bioética dos Cuidados Paliativos. Porém, a bioética enquanto ciência em desenvolvimento amplia cada vez mais sua discussão em relação aos temas inerentes a vida humana.
Então, torna se necessário cada vez mais estabelecer o papel do profissional diante deste tipo de assistência, e muito mais ainda no que diz respeito ao processo de morte e morrer, onde o paciente se depara com a finitude.
Etimologia e origem dos Cuidados Paliativos
Os Cuidados Paliativos são cuidados que não tem por foco a cura de uma devida condição de saúde, mas sim o aumento da qualidade de vida de um paciente. Estes cuidados são ofertados principalmente para aqueles que não podem ser curados de uma doença, ou seja, que não respondem mais de forma positiva a tratamentos com fins curativos
Estes Cuidados que são defendidos pelos profissionais paliativistas, têm como principal missão uma assistência integral e que proporcione uma morte digna ao paciente. Enquanto há uma necessidade de humanização do processo de morte e morrer, a dignidade surge da discussão que é levantada pela bioética em torno deste modelo de assistência, tendo como consequência uma boa morte, com respeito à figura humana.
O conceito de boa morte defende um modelo de assistência chamado de kalotanásia (kalós: boa; thánatos: morte). A kalotanásia hoje é tida como uma perspectiva da morte que agrega sentido ao movimento dos Cuidados Paliativos ou ao movimento Hospice, que se originou a partir da análise de características históricas do processo de morte e morrer nas antigas sociedades agrícolas, onde se havia participação comunitária e familiar, em uma ritualização da morte. Mas também nos costumes e na visão que a sociedade espartana adotava a respeito do morrer, glorificando a morte em vitória ou em combate.
Porém a primeira perspectiva de Cuidados Paliativos que teve impacto real na área da saúde nasceu do ideal de assistência ao doente em fase terminal, idealizado por Cicely Saunders. Tal modo de olhar, gerir e executar estes cuidados daria início a uma nova linha de pensamento quando se trata do doente com prognóstico de morte, dando origem a um novo modelo assistência.
Instituição St. Christophers Hospice
Em 1967, é fundado em Londres o St. Christophers Hospice. E é por intermédio dessa instituição, que nascem os Cuidados Paliativos, gerados através da pesquisa e do modelo de assistência executado por Cicely Saunders, médica, enfermeira e assistente social.
Eis o momento em que surge o movimento Hospice, que ao contrário do modelo biomédico de assistência vigente no século XX, foca o paciente e não a doença.
O movimento Hospice a se propagar através da psiquiatra Elisabeth Kübler Ross, que tomando conhecimento do trabalho de Saunders, funda o primeiro hospice nos Estados Unidos, entre 1974 e 1975. Apesar de ter se iniciado uma expansão maior do movimento, ainda não havia pareceres da Organização Mundial da Saúde (OMS), nem mesmo a sua recomendação.
Ao contrário do que muitos pensam o movimento Hospice tem por foco a forma com que se morre. Isso traz uma diferença muito grande no que diz respeito ao olhar que o profissional terá para o paciente e sua condição, fazendo refletir suas atitudes em relação ao plano terapêutico a ser executado, bem como suas responsabilidades em relação à assistência.
O primeiro parecer da OMS em relação aos Cuidados Paliativos surge 30 anos depois de sua origem, em 1990, sendo divulgado em 90 países, e 15 idiomas distintos, colocando os como quarto alicerce da assistência, junto da prevenção, diagnóstico e tratamento. Apesar de ser colocada como pilar, sua definição se limitou aos cuidados prestados a pacientes com câncer. O que apesar de ser distante da abrangência que os Cuidados Paliativos têm hoje, é um grande avanço para a área da saúde, trazendo a atenção dos profissionais para a assistência na terminalidade.
Pois antigamente nos anos 60, o que ocorria era que o médico, em uma atitude paternalista, decidiria que conduta tomar quanto ao paciente que se encontrava em uma situação de prognóstico de terminalidade, seja por doenças ou agravos, e apenas comunicaria os familiares ou pessoas próximas do paciente sobre sua decisão, ou seja, nem pacientes, nem familiares teriam poder de questionar e acrescentar quanto suas opiniões e possíveis decisões em relação ao passo seguinte na assistência executada.
Mais tarde, a assistência paliativa se tornaria discutível com familiares e o paciente desde o diagnóstico de uma doença terminal, até o processo de morte e morrer. O que se evidencia pela reafirmação dos Cuidados Paliativos da OMS, os tornando aplicáveis no tratamento inicial de doenças terminais, integrados ao tratamento curativo.
Tal afirmação declara que o diagnóstico de doenças agravantes deve ser realizado precocemente, para que o paciente possa ser avaliado, e a partir desta avaliação, possa ter uma assistência planejada, observando o em todos os seus aspectos, bem como físicos, psicossociais e espirituais.
Isto se deve ao fato de que uma doença causa alterações desde o seu início, até o seu término, e ainda afeta o paciente em todos os seus aspectos. Ainda se discute também, um cuidado presente durante toda a vida do paciente, quando este possui determinada doença crônico degenerativa .
Defende-se que os Cuidados Paliativos devem ter início precoce, e unir esforços para compreender a situação do paciente, pois tal prática pode proporcionar mais tempo de vida ao paciente.
Vale lembrar que a avaliação precoce não prolongará a vida do paciente de forma dolorosa e desumana, mas possibilitará que o cuidado não se prenda a um padrão específico, mas seja construído especialmente para o paciente, visando as melhores consequências.
Para que os Cuidados Paliativos sejam integrais, e possam possibilitar um processo de morte humanizado, contemplando todas as necessidades do paciente, sejam fisiológicas, psicossociais e espirituais, deve se haver a participação na construção do cuidado de uma equipe multidisciplinar, que pode ser composta por medicina, enfermagem, enfermagem técnica, fisioterapia, nutrição, farmácia, psicologia, assistência social, terapia ocupacional, voluntários, mas também de profissionais que possam suprir as necessidades espirituais do paciente, como assistentes espirituais, de acordo com a vontade do paciente e também de seus familiares.
Estes cuidados ainda devem ser executados de forma individualizada, e pensada única e exclusivamente para o paciente e seus familiares, de acordo com a evolução/progressão da doença. Tais cuidados têm a finalidade de melhorar a qualidade de vida de paciente e familiar.
Com esta afirmação, é moldado um novo olhar para essa assistência, de forma que possam olhar para aqueles que acompanham o paciente no processo de morte, bem como amenizar agravos e condições incapacitantes as quais o paciente pode estar suscetível nesse processo.
São os norteadores reafirmados dos Cuidados Paliativos: amenizar a dor e sintomas físicos, ver a morte como processo natural, não adiantar ou prolongar o processo de morte e morrer, promover suporte psicossocial e espiritual, promover a independência e autonomia do paciente, e fornecer assistência para os familiares e pessoas próximas.
No Brasil, os Cuidados Paliativos começam a serem postos em prática nos anos 90, mais especificamente no final da década, dado o primeiro parecer da OMS em relação a este tipo de assistência. Porém, apesar de hoje os Cuidados Paliativos possuírem uma base sólida, e estarem bem definidos para todos os profissionais que atuam no cuidar, ainda existem diversas dificuldades no que diz respeito a sua aplicabilidade.
A principal dificuldade está relacionada em como executar um plano de assistência que promova conforto e alívio sintomático em todas as etapas do processo de morte e morrer, e não um cuidado doloroso, traumático, que prolongue a chegada da morte e o sofrimento presente nesse processo. Nisto se discute o conceito de boa morte, ou qual seria o ideal de processo de morte e morrer.
Porém existem demais dificuldades, uma das principais delas está envolvida com a integração dos Cuidados Paliativos e os Cuidados Curativos. É ideal que todo profissional saiba quando eles são aplicáveis, seja no início de uma doença agravante, ou na finitude da vida. Pois tal conhecimento pode permitir que a evolução de uma doença ocorra de forma mais “saudável” possível, evitando certos agravos para o paciente.
Então, os Cuidados paliativos tornam se prática mais que executável em diversos locais, focando em óticas diferentes, porém sempre visando à amenização de sintomas e agravos e suporte integral ao paciente. Podendo ser citados locais como ambulatórios, enfermarias, equipe multidisciplinar, hospitais exclusivos, hospital dia, hotelarias e assistência domiciliar.
Outra dificuldade encontrada esta relacionada com o respeito e a forma de lhe dar das equipes de saúde, frente à autonomia do paciente e seus familiares, dada a situação de que estes têm total direito de decidir a conduta da assistência, o que já não tem acontecido com as equipes que estão familiarizadas com os Cuidados Paliativos e sua filosofia.
O que muita das vezes acontece devido aos padrões, o poder, ou a perspectiva do profissional de saúde enquanto detentor de conhecimento da ciência da saúde.