A morte e o morrer na Unidade de Terapia Intensiva UTI

Última atualização: 01/01/2025

A MORTE E O MORRER NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI): DESAFIOS, SENTIMENTOS E POSSIBILIDADES DE CUIDADO. A morte é um fenômeno inevitável que permeia a vida de todos, mas assume contornos especiais, na prática dos profissionais de saúde, sobretudo em unidades de alta complexidade como a UTI. Por mais que se tente evitar ou postergar a morte, ela permanece como parte do cotidiano de médicos, enfermeiros e outros profissionais, gerando sentimentos de fracasso, insegurança e sobrecarga emocional. Ver Enfermeiro responde 10 perguntas sobre os cuidados prestados a pacientes paliativos.

Neste texto, discutem-se as principais dificuldades em lidar com a terminalidade, as repercussões no cuidado e as possibilidades de enfrentamento que contemplam aspectos humanizados, éticos e integrados.


1. O CONTEXTO DA UTI E A MORTE

1.1. Ambiguidade do Ambiente A Unidade de Terapia Intensiva é concebida como um local destinado a salvar vidas, dispondo de alta tecnologia, equipes especializadas e protocolos rigorosos para recuperar pacientes em estado crítico. Entretanto, é também um espaço em que muitos doentes chegam já em fase terminal, e onde a morte se apresenta de forma recorrente. Essa dicotomia faz com que o profissional viva um dilema: por um lado, deseja vencer a doença a todo custo; por outro, depara-se com casos irreversíveis em que a terminalidade é inevitável.

1.2. Sentimento de Fracasso Entre as reações mais referenciadas pela equipe de saúde — em especial enfermeiros, técnicos e médicos intensivistas — destaca-se a sensação de derrota ou fracasso quando o paciente morre, como se a não recuperação simbolizasse uma falha profissional. Tal percepção reflete, em parte, o mito da onipotência do avanço tecnológico e científico, que induz alguns profissionais a acreditarem ser possível reverter todos os casos com aparelhagem de última geração, resultando em frustração quando essa meta não se cumpre.


2. DESAFIOS EMOCIONAIS E PSICOLÓGICOS

2.1. Sentimento de Culpa Além do fracasso, é comum o surgimento de culpa. Em alguns casos, a equipe deseja o alívio do paciente que sofre intensamente — chegando até mesmo a “torcer” para que ele descanse. Quando, por fim, ele morre, o profissional pode sentir culpa por ter desejado esse desfecho, ainda que fosse em prol de cessar o sofrimento.

2.2. Distanciamento e Mecanismos de Defesa Para lidar com o estresse cotidiano da UTI, alguns profissionais adotam estratégias de distanciamento emocional ou hipervalorização do lado técnico em detrimento do humano. Isso pode levar a uma postura fria e mecanicista, com pouca sensibilidade à dor psíquica do doente e da família. Contudo, esse “endurecimento” tende a gerar conflitos internos, pois se contrasta com o anseio ético de oferecer cuidado integral e empático.

2.3. Falta de Preparo na Formação Muitos relatam que a formação acadêmica e as vivências de estágio enfatizam procedimentos técnicos, mas não dão ênfase suficiente à preparação para a morte e o morrer. Assim, os profissionais sentem-se inseguros e despreparados para enfrentar a terminalidade, a dor dos familiares e a própria impotência diante de casos irreversíveis.


3. IMPLICAÇÕES PARA O CUIDADO

3.1. Humanização e Cuidados Paliativos O ambiente da UTI pode ser altamente tecnológico, mas requer medidas humanizadas que considerem aspectos emocionais, espirituais e sociais do paciente. Cuidar não é apenas prolongar a vida, mas também “preservar a vida com dignidade” e respeitar o direito do paciente de saber, de decidir e até mesmo de recusar tratamentos agressivos se não houver benefício real. Os cuidados paliativos entram em cena para amenizar o sofrimento, controlando sintomas físicos (dor, dispneia) e oferecendo apoio psicológico e espiritual.

3.2. Relacionamento com Família e Paciente Nessa perspectiva, a comunicação se torna elemento essencial: a equipe deve manter a família informada do quadro, ouvir suas angústias e valores, e, sempre que possível, incluir o paciente em decisões sobre sua terminalidade. A empatia e o acolhimento reduzem a sensação de isolamento e podem conferir dignidade à fase final da vida.


4. RESULTADOS DE PESQUISAS SOBRE O TEMA

  • Ambiguidade de Sentimentos: Pesquisas mostram que os profissionais vivenciam a morte tanto como parte natural do ciclo de vida quanto como algo gerador de tristeza e sensação de desordem.
  • Religiosidade: Alguns profissionais buscam na espiritualidade uma forma de lidar com a morte, entendendo-a como passagem ou evento transcendente.
  • Mecanismos de Negação: Em certas situações, há frieza aparente e posturas de negação, como se a morte fosse um fracasso a ser evitado em qualquer custo.
  • Desvalorização do Aspecto Emocional: Estudos evidenciam que a dimensão emocional, psicológica e espiritual do paciente terminal é pouco considerada, reforçando o predomínio de práticas técnico-científicas.

5. CAMINHOS PARA UMA MELHOR ABORDAGEM

5.1. Reconhecer a Limitação Humana A formação dos profissionais deveria incluir discussões sobre finitude, morte e luto, possibilitando que eles próprios elaborem suas questões internas e construam empatia e acolhimento.

5.2. Equilíbrio entre Ciência e Humanização Valorizar tanto a competência técnica quanto a abordagem integral do paciente. O profissional deve estar ciente de que, embora não consiga salvar todas as vidas, pode oferecer alívio ao sofrimento e respeito à dignidade humana.

5.3. Bioética como Ferramenta A reflexão bioética incentiva a tolerância às diferenças (religiosas, culturais), a importância do consentimento informado e o respeito à autonomia do paciente. Também lembra que a terminalidade é um processo natural e precisa de cuidados paliativos de qualidade.

5.4. Sustentação Emocional do Profissional É fundamental o cuidado consigo mesmo. Espaços de escuta, grupos de apoio ou supervisão psicológica podem reduzir o estresse e evitar burnout, pois o profissional lida diariamente com a dor e a morte.


É um fenômeno complexo, repleto de significados e emoções para pacientes

A morte na UTI é um fenômeno complexo, repleto de significados e emoções para pacientes, familiares e profissionais de saúde. O enfermeiro, em especial, vivencia intensamente essa experiência por estar em contato prolongado com o doente e seus entes queridos, testemunhando todo o processo clínico. Perante esse cenário, é crucial promover uma assistência que una aspectos técnicos e humanização, respeitando a dignidade do paciente e reconhecendo os limites do corpo e da ciência.

A bioética, a preparação profissional adequada e o exercício de empatia são elementos-chave para enfrentar os desafios emocionais, minimizar sentimentos de fracasso e oferecer um cuidado integral que, mesmo não conseguindo salvar vidas em todas as situações, garanta conforto, respeito e alívio ao indivíduo em sua terminalidade. Ver Baixa Autoestima: Superando a insegurança e a autocrítica.

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