Conselho Federal de Medicina proíbe tratamentos hormonais para menores de 18 anos

Última atualização: 16/04/2025

Em uma medida que tem gerado intensos debates entre especialistas da saúde, representantes do movimento LGBTQIA+ e autoridades jurídicas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou nesta quarta-feira (16) uma nova resolução que altera profundamente os critérios para o atendimento de pessoas com incongruência ou disforia de gênero no Brasil. A norma estabelece a proibição de terapias hormonais para menores de 18 anos e eleva a idade mínima para a realização de cirurgias de transição para 21 anos, caso estas resultem em efeitos esterilizantes.

A decisão, considerada por muitos um retrocesso nas políticas de acolhimento a pessoas trans, motivou a abertura de uma investigação por parte do Ministério Público Federal (MPF), além de reações contundentes de entidades civis que lutam pela diversidade de gênero.

Mudanças promovidas pelo CFM e os principais pontos da resolução

A resolução publicada no Diário Oficial da União traz um novo posicionamento do CFM em relação aos tratamentos destinados à população trans. Entre as principais mudanças, destaca-se a proibição do uso de bloqueadores hormonais da puberdade em crianças e adolescentes, medida anteriormente considerada fundamental para impedir o desenvolvimento de características físicas indesejadas por jovens trans.

Além disso, a terapia hormonal cruzada — que consiste na administração de hormônios sexuais que induzem características secundárias compatíveis com a identidade de gênero do paciente — está agora restrita a indivíduos com 18 anos ou mais. A nova norma também determina que as cirurgias de redesignação de gênero que possam acarretar esterilidade só poderão ser realizadas a partir dos 21 anos.

Justificativas apresentadas pelo Conselho Federal de Medicina

De acordo com o relator da resolução, Raphael Câmara, a decisão foi embasada em estudos científicos recentes e em mudanças de diretrizes observadas em países como Reino Unido, Suécia, Noruega e Dinamarca, onde as práticas para tratamento de disforia de gênero em menores também foram restringidas. O CFM justifica que a supressão hormonal precoce pode gerar efeitos adversos como baixa densidade óssea, crescimento comprometido e prejuízos à fertilidade.

A instituição também alega que tem havido um aumento nos casos de destransição e arrependimento, o que motivou maior cautela nas indicações.

O conselho reforça que sua medida está alinhada com a Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde, que desde 2013 já prevê os 21 anos como idade mínima para a realização de procedimentos cirúrgicos de transição.

Reações da sociedade civil e abertura de inquérito pelo MPF

A nova resolução foi duramente criticada por organizações da sociedade civil, como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o coletivo Mães pela Diversidade. Para essas entidades, a decisão representa uma forma de negligência institucionalizada que poderá aumentar o sofrimento psicológico de jovens trans, além de favorecer práticas médicas clandestinas e inseguras.

O MPF do Acre anunciou a abertura de um procedimento para apurar a legalidade da norma. O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, solicitou ao CFM que apresente os fundamentos técnicos e jurídicos da medida. O órgão também citou decisões do Supremo Tribunal Federal e diretrizes da Organização Mundial da Saúde que despatologizam a transexualidade como argumento para questionar a nova regulamentação.

O que permanece permitido e exceções à nova norma

A resolução do CFM prevê algumas exceções. O uso de bloqueadores hormonais continua permitido em casos clínicos como puberdade precoce ou outras condições endócrinas, desde que não estejam relacionadas à incongruência de gênero. Pessoas que já estejam em tratamento com bloqueadores ou hormônios não serão afetadas pelas novas regras.

Além disso, o texto reforça que qualquer intervenção deve ser precedida de avaliação médica rigorosa, com acompanhamento psiquiátrico, endocrinológico e avaliações de risco físico e mental. A realização dos procedimentos deve ocorrer apenas em unidades médicas com infraestrutura adequada e equipe especializada.

Cenário anterior e impacto da mudança

Antes da nova resolução, a idade mínima para início da terapia hormonal havia sido flexibilizada para 16 anos, em 2020, o que foi amplamente celebrado por profissionais que atuam com a população trans. Agora, com o recuo do CFM, médicos e ativistas temem que o novo cenário dificulte o acesso a tratamentos que podem ser determinantes para o bem-estar mental e físico de adolescentes trans.

Profissionais da saúde alertam que a medida pode aumentar os casos de sofrimento psíquico e risco de suicídio entre jovens trans, além de comprometer a autonomia médica diante das individualidades dos pacientes.

Os limites da intervenção médica

A decisão do CFM reacende o debate sobre os limites da intervenção médica em temas ligados à identidade de gênero e levanta questionamentos sobre a legitimidade de restringir tratamentos reconhecidos internacionalmente como parte da saúde integral da população trans.

À medida que o tema avança para os tribunais e instâncias legais, espera-se que o embate entre argumentos técnicos, direitos humanos e evidências científicas continue a mobilizar a sociedade brasileira. Veja também Prefeitura de Taubaté demite médico do SUS após flagrantes de ausência durante expediente.

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