O transplante de fezes é realizado como forma alternativa para o tratamento de algumas doenças.
Apesar de parecer “loucura”, médicos afirmam que o tratamento funciona. O transplante fecal, também chamado de terapia bacteriana, é um tipo de tratamento médico experimental já realizado algumas vezes nas últimas décadas a fim de curar infecções causadas por bactérias como a Clostridium Difficile. O objetivo do tratamento com as fezes é garantir que a flora bacteriana reequilibre-se e mantenha-se estável. Transplante fecal é uma opção terapêutica.
A maioria das pessoas já ouviu falar sobre probióticos e prebióticos, mas poucos conhecem algo sobre transplante fecal. Apesar de poucas pessoas conhecerem esta técnica, o transplante fecal não é uma prática nova. O primeiro caso foi descrito por Eiseman e colaboradores em 1958, e a descrição do segundo ocorreu em 1981 por Bowden. Hoje este tipo de terapia é utilizada por vários especialistas com sucesso, sem quaisquer efeitos adversos. Desde então, existem muitos relatos de transplantes de fezes através de colonoscopia ou sonda nasogástrica, e a maioria destes procedimentos estavam relacionados a utilização desta técnica no tratamento da infecção por Clostridium difficile, para o restabelecimento da microbiota após a infecção. Um dos princípios do método do transplante fecal é que nem todos os micro-organismos da microbiota podem ser isolados e cultivados em laboratório.
Como é feito transplante de fezes?
Para realizar o transplante de fezes, é necessário encontrar primeiramente um doador saudável, que pode ou não ser membro da família. O doador deve ter seu sistema imunológico em perfeito estado, não fazer uso de drogas, não possuir doenças contagiosas e não ter feito uso de antibióticos nos últimos meses.
Após a escolha do doador, as fezes devem ser preparadas em laboratório para que possam ser inseridas no paciente. Antes de serem colocadas, elas são homogenizadas com uma solução salina e só então são colocadas por meio de uma sonda pelo nariz até o intestino ou então por processos de colonoscopia ou enema.
No Brasil, o primeiro registro de transplante fecal foi realizado em 2013, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Quais as doenças tratadas com transplante de fecal?
O transplante fecal pode ser útil para o tratamento de diversas doenças, como;
Colite pseudomembranosa
Principal indicação para o transplante fecal, sendo caracterizada por uma inflamação e infecção do intestino pela bactéria Clostridium difficile, que infecta, principalmente, pessoas hospitalizadas em uso de antibióticos, já que ela aproveita a eliminação das bactérias intestinais saudáveis para se instalar.
Doença inflamatória intestinal
A doença de Crohn e a retocolite ulcerativa são as principais formas de doença inflamatória do intestino, e, apesar de não se saber exatamente o que as causa, sabe-se que, além da influência do sistema imune, pode haver ação de bactérias pouco saudáveis no intestino para o desenvolvimento destas doenças.
Síndrome do intestino irritável
A síndrome do intestino irritável parece ter várias causas, como alterações no sistema nervoso intestinal, sensibilidade alimentar, genética e o estado psicológico, entretanto, tem se mostrado que, cada vez mais, a flora intestinal influencia na sua presença.
Obesidade e outras alterações do metabolismo
Sabe-se que a flora intestinal pode estar alterada em obesos, e há indícios de que estas bactérias modifiquem a forma como o organismo utiliza a energia vinda dos alimentos, e, desta forma, é possível que esta possa ser uma das causas da dificuldade para emagrecer.
Autismo
Em um estudo científico, foi observado que pacientes com autismo que receberam o transplante fecal tiveram uma melhora dos sintomas, entretanto, ainda são necessários mais estudos para concluir que realmente existe uma ligação e uma influência deste procedimento para o tratamento do autismo.
Um pouco sobre o transplante de fecal no Brasil
Uma boa flora intestinal está associada a um sistema imunológico mais forte, e a transferência de microbiota já tem se mostrado eficiente em certos casos. No tratamento da colite pseudomembranosa, um quadro de diarreia grave provocada pela superbactéria clostridium difficile, resistente a antibióticos, o transplante de fezes se mostrou 100% eficiente, evitando cerca de 40 mil mortes por ano mundo.
Porto alegre sediou no primeiro semestre deste ano o primeiro transplante fecal da América Latina para tratamento do Diabetes. O procedimento foi realizado no Hospital Ernesto Dorneles (HED), sob o comando do médico gastroenterologista Guilherme Becker Sander, em um paciente que tem especial apreço pelo assunto: o também medico Pedro Schestatsky , diabético e professor de neurologia da Faculdade de Medicina da UFRGS também se dedica ao estudo desse tipo de tratamento que tem como finalidade atacar males neurológicos como o Alzheimer, Esclerose Múltipla, Autismo e Parkinson.
As possibilidades de tratamento via transplante de fezes ampliam-se dia a dia. Tanto é que já existem bancos de fezes. No Brasil, o Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abriu o primeiro espaço desse tipo para armazenar o material doado, que fica a uma temperatura de 80°C negativos e precisa ser utilizado em até seis meses. O problema é que para se tornar um doador é preciso aprovação em todos os testes que asseguram a qualidade das fezes e muitos candidatos não conseguem passar nessa seleção.
Gisele Martins 31 anos conta que perdeu toda a vida social e teve que parar de trabalhar por conta da doença. Foi somente após o transplante de fezes em 2015 que seus sintomas começaram a melhorar. ‘Não adianta a pessoa fazer um transplante fecal se ela não tem uma alimentação saudável.’ Diz ela.
Vale a pena lembrar que o entendimento sobre o efeito da aplicação desta técnica parte de princípios ecológicos como interações entre hospedeiro e micro-organismos. Portanto, estudos sobre a composição, a diversidade e a função de comunidades microbianas intestinais são importantes para elaborar estratégias para tratamentos futuros.
O Transplante fecal, embora pareça ser uma abordagem estranha para os leigos, pode ser uma boa opção de tratamento e tem a capacidade de restabelecer a microbiota intestinal saudável. Por mais desagradável que possa parecer.
REFERÊNCIAS
1. Kassam Z, Lee CH, Yuan Y, Hunt RH. Fecal microbiota transplantation for Clostridium difficile infection: systematic review and meta-analysis. Am J
Gastroenterol. 2013;108(4):500-8. Review.
2. Rubin TA, Gessert CE, Aas J, Bakken JS. Fecal microbiome transplantation for recurrent Clostridium difficile infection: report on a case series. Anaerobe.
2013;19:22-6.
3. Kelly CP. Fecal microbiota transplantation–an old therapy comes of age. N Eng J Med. 2013;368(5):474-5.
4. Eiseman B, Silen W, Bascom GS, Kauvar AJ. Fecal enema as an adjunct in the treatment of pseudomembranous enterocolitis. Surgery. 1958;44(5):854-9.