A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu não analisar o recurso interposto pela Braskem S.A. em relação à sua responsabilidade pelo pagamento de verbas devidas a uma técnica de enfermagem. Ela foi demitida devido à crise financeira enfrentada pela instituição empregadora, que foi afetada pelos problemas ambientais gerados pela atuação da mineradora em Maceió, Alagoas.
Para o tribunal, a Justiça do Trabalho possui jurisdição para avaliar casos em que desastres ambientais resultam em prejuízos para trabalhadores, mesmo que a empresa responsável pelo dano não seja a empregadora direta.
Crise Ambiental em Maceió
A Braskem enfrenta uma grave situação em Maceió, decorrente dos impactos da extração de sal-gema na região. Essa atividade industrial causou o afundamento do solo em diversos bairros, resultando em riscos de desabamentos, evacuação de milhares de pessoas e danos ambientais significativos e irreversíveis.
A técnica de enfermagem estava empregada no Sanatório Hospital Geral (Liga Alagoana Contra a Tuberculose), localizado na área afetada. Desde 2020, segundo seu relato, o ambiente hospitalar se transformou em “um verdadeiro cenário de filme de terror”, com grandes fissuras no chão e nas paredes, além de salas e enfermarias fechadas. Segundo a profissional, o hospital ficou “isolado” após a evacuação dos prédios vizinhos, resultando em uma atmosfera de “guerra”, com casas destruídas, saques, ruas desertas e escuras, e ocorrência de assaltos.
Em decorrência da crise, o hospital passou a atrasar salários e vale-transporte, o que levou a técnica a faltas frequentes ao trabalho. Em janeiro de 2022, ela foi demitida por justa causa e decidiu recorrer à Justiça para que a Braskem fosse responsabilizada pelo pagamento de suas verbas rescisórias. Em novembro de 2023, o hospital foi evacuado.
Defesa da Braskem e Decisão Judicial
A Braskem argumentou que não poderia ser responsabilizada pelas dívidas trabalhistas do hospital e que a Justiça do Trabalho não tinha competência para julgar o caso, uma vez que não havia vínculo empregatício com a técnica.
O juízo de primeira instância reverteu a demissão por justa causa, mas acolheu a argumentação da Braskem, excluindo-a da ação. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL) reverteu a sentença, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho e condenando a Braskem a pagar solidariamente as verbas trabalhistas devidas à técnica de enfermagem, além de uma indenização por danos morais de R$ 5 mil devido aos atrasos salariais.
A ministra Liana Chaib, relatora do recurso da Braskem, sustentou a competência da Justiça do Trabalho. Ela destacou que, apesar da falta de um vínculo trabalhista direto com a mineradora, a inadimplência do hospital estava intimamente ligada ao desastre ambiental promovido pela empresa.
Para embasar sua decisão, a ministra aplicou a “teoria do fato do príncipe” por analogia, que é utilizada em casos onde ações do poder público, mesmo que legítimas, afetam contratos entre particulares e impedem o cumprimento de obrigações. Esses casos caem sob a jurisdição da Justiça do Trabalho quando se referem a contratos de emprego.
A relatora argumentou que, embora não se trate de um ato do Estado, a atuação da Braskem e suas consequências se entrelaçam com a relação de trabalho da técnica. “Os mesmos elementos da teoria do fato do príncipe estão presentes: um fato inevitável (desocupação da área devido à degradação ambiental), ausência de culpa do empregador (o hospital), e a impossibilidade de continuidade do contrato de trabalho, todos decorrentes da ação de um terceiro que não faz parte da relação de emprego (a Braskem)”, explicou.
Responsabilidade Ambiental e Direitos Trabalhistas
A ministra também ressaltou que a competência da Justiça do Trabalho se fundamenta no princípio do poluidor-pagador, que está previsto na Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998). Esse princípio determina que quem provoca danos ambientais deve repará-los em todas as esferas sociais. “A degradação ambiental causada pela Braskem deve ser reparada nas diversas áreas afetadas, sendo uma delas a proteção dos direitos trabalhistas da profissional”, concluiu.
A decisão do TST foi unânime.