ABRASCO divulga análise das propostas para a saúde

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, divulgou em seu boletim informativo um documento onde apresenta uma análise completa das propostas para a saúde dos candidatos à Presidência do Brasil.

O documento  cujo título é: A saúde nos programas dos candidatos à Presidência da República do Brasil em 2018,  faz uma análise das proposições para a saúde contidas nos programas inscritos formalmente no Tribunal Superior Eleitoral – TSE pelos partidos, coligações e candidatos à Presidência da República do Brasil em 2018. 

Esta análise sobre a relevância das proposições para a melhoria da rede de serviços e da saúde da população tem como autores os membros da ABRASCO, Ligia Bahia (da Universidade Federal do Rio de Janeiro); Mário Scheffer (da Universidade de São Paulo)  e Ialê Falleiros Braga (da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz).

MÁRIO SCHEFFER
É professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

LIGIA BAHIA
É professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  
gmail.com

IALÊ FALLEIROS BRAGA
É professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz).

Para mapear, sistematizar e assinalar pontos comuns e singulares das propostas de saúde nos diversos programas e plataformas, assim como para indicar lacunas, temas ou questões de saúde não abordadas, as proposições (propostas e intenções) foram agregadas segundo as seguintes categorias: disponibilidade; acessibilidade; aceitabilidade e qualidade. Considerou-se que disponibilidade refere-se à existência de atividades e recursos em volume suficiente relacionados com o controle/redução de riscos à saúde, estabelecimentos de saúde, medicamentos e equipes profissionais. Acessibilidade abrange a não discriminação e o acesso econômico e geográfico a ações de saúde e informações sobre saúde. Aceitabilidade concerne a ações e serviços de saúde adequados a requerimentos de identidades raciais, de gênero, ciclo de vida, deficiências, pautados pelo respeito a padrões culturais de indivíduos, etnias, minorias e comunidades. Qualidade envolve desde a provisão de profissionais bem formados e capacitados, suprimentos e equipamentos que funcionem adequadamente até a prescrição criteriosa de medicamentos e monitoramento de seus efeitos.

Para acessar os programas/plataformas eleitorais foi utilizado o Divulga CandContas do TSE, que é o sistema online de Divulgação de Candidaturas e de Prestação de Contas Eleitorais, responsável pela divulgação das candidaturas e das prestações de contas dos candidatos e dos partidos políticos em todo o Brasil. O sistema é disponibilizado na internet sem necessidade de cadastro prévio ou autenticação de usuário. A primeira consulta e extração aos documentos foi realizada no dia 16 de agosto de 2018, procedimento refeito no dia 23 de agosto para certificar que tratava-se do programa definitivo registrado.

Conclusão da análise das propostas segundo ABRASCO

O primeiro traço distintivo da atual disputa eleitoral é o contexto econômico recessivo, com milhões de desempregados e desamparo diante da perspectiva de o Brasil se perpetuar como nação subdesenvolvida,subordinada àquelas produtoras de tecnologia pós revolução digital. O segundo contorno fica nítido por polarizações remetidas, ainda que indiretamente,a posicionamentos contra ou a favor dos processos políticos e judiciais que impedem que Lula se apresente como candidato a Presidência da República. 

Propostas sobre saúde e o SUS são postas de lado durante o embate eleitoral,mas o mesmo ocorre com tantas outras,tais como as que defendem privatizações de estatais e de infraestrutura, para citar um tema saliente em eleições anteriores. Apesar dessa advertência, os exercícios de comparação entre plataformas eleitorais se justifica duplamente: os documentos formalmente registrados contém concepções sobre saúde e propostas para políticas de saúde; e, no curso das campanhas, as propostas dos candidatos sobre saúde tem sido objeto de divulgação em diversos meios.

Em 2018, tal como na eleição presidencial de 2014, a saúde não ocupou lugar central nas plataformas de governo dos candidatos a Presidente, embora a matéria-prima para um rico e potente debate sobre o tema nunca tenha sido tão abundante no país, face à insatisfação reiterada da população em relação à saúde. 

Muitos candidatos e programas de 2018, nas propostas sobre saúde, se igualam em platitudes ou repetem jargões familiares para determinados nichos eleitorais.Tal constatação pode ser analisada sobre duas perspectivas. Sob um enfoque otimista, as convergências dos programas eleitorais poderiam ser compreendidas como avanço. O assentimento generalizados obre a importância e expansão da assistência pública seria um sinal positivo: a saúde teria se tornado política de Estado, independente de governo se partidos políticos. 

Inversamente, as generalizações,a ênfase na atenção básica e não no sistema de saúde, e a ausência de debates sobre políticas de saúde efetivamente universais e de qualidade, admitem interpretações sombrias. 

O fato de não enfatizar o SUS, o sistema como um todo, os direitos assistenciais para todos os níveis de atenção e de não explicitar como serão obtidos recursos (sobretudo financeiros) para viabilizar as promessas,expressa compromissos limitados. As intenções de adotar políticas de saúde incrementais parecem não mencionar a superação dos padrões de desigualdades tanto na exposição à riscos quanto no acessoe uso de serviços de saúde. 

Nos esforços para captar as proposições sobre saúde verifica-se que não foram cumpridas as funções básicas dos manifestos eleitorais, de sistematização deposições partidárias e produção de materiais simplificados acessíveis aos eleitores em geral. 

Textos confusos, mal organizados, ora repetitivos, ora com meras generalizações, não parecem ter sido elaborados por partidos e coalizões políticas e sim por assessorias dos candidatos. Portanto, parte das propostas apresentadas não se transformarão em políticas. 

Frequentemente quadros partidários convocados para o governo não compartilham postulados sobre políticas sociais de natureza universal. Adicionalmente, essas proposições não passaram pelo escrutínio das negociações eleitorais sub-nacionais, nas quais, quase sempre informalmente, os programas são readaptados.

Em 2014, em uma eleição presidencial polarizada pelas candidaturas de PTe PSDB em torno do ajuste fiscal, partiu do candidato do PSB o tom destoante,pois foi o único que prometeu aumentar os recursos para a saúde. Quatro anos depois é quase consensual a necessidade de ampliar o orçamento da saúde.

Entre os favoritos em 2018, segundo pesquisas de opinião, o único que julga desnecessário aumentar recursos é o candidato do PSL. Essa mudança a favor de maior financiamento do SUS, ainda que retórica, é importante. A sensibilidade às prioridades da saúde parece ter se tornado mais intensa. Já a prioridade atribuída à atenção básica por quase todos os candidatos não é novidade. 

A exemplo de 2014 os candidatos repetem compromissos de aumento de coberturas sem nenhuma avaliação de governos e sem mencionar instrumentos ou obstáculos para alcançar as metas propostas. Ainda assim, é possível inferir que haverá esforços do próximo presidente– se eleito um candidato que integra essa perspectiva quase consensual – de continuidade dos investimentos e de expansão de unidades básicas e da Estratégia Saúde da Família. Mas cabe ressaltar que enquanto a plataforma do PT pretende ampliar o programa Mais Médicos(que aloca profissionais para a atenção primária em municípios desassistidos), o candidato do PSL aponta para uma atenção básica “nacionalizada” e afirma a possibilidade de o governo credenciar médicos particulares.

Tal como em 2014, problemas de saúde de determinados segmentos populacionais,como povos indígenas e população carcerária, foram ignoradas por quase todos os programas em 2018, com exceção do Psol. Entretanto, os manifesto sem geral explicitaram compromissos com pessoas e comunidades “LGBTI+”, negro se portadores de deficiências. Esse reconhecimento,quase consensual, sobre diferença se igualdade no acesso e uso de serviços de saúde, sinaliza perspectivas positivas para a retomada de políticas assistenciais e de proteção a riscos que exigem ações concretas de combate a preconceitos e discriminações. Análises que atém-se ao conteúdo de proposições para a saúde nos programas eleitorais são limitadas, ainda que não ignorem implicações e conflitos situados fora do âmbito setorial. Impedem, assim,inferências sobre diferenças e similitudes de posicionamentos políticos e ideológicos, mais ou menos liberais ou intervencionistas, nas relações entre Estado,sociedade e mercado. 

Podem, portanto, suscitar a sobrevalorização de convergências pontuais, tanto em enunciados decalcados de programas de saúde tradicionais quanto de termos técnicos gerenciais utilizados por especialistas ou movimentos sociais. Mesmo diante do consenso, ainda que vago, sobre pontos relevantes para a efetivação do SUS, a tradução concreta das promessas sobre saúde por certo somente se materializará nos governos se impulsionada por múltiplos fatores e mecanismos,como políticas, programas, leis, regulamentos e convenções, dependentes do grau de mobilização e envolvimento de uma grande variedade de atores a serem convocados ao longo do processo de elaboração e implementação das políticas. 

Parte das proposições dos programas eleitorais consiste na mera reapresentação de intenções não efetivadas, inclusive por partidos e coalizões políticas que já governaram o país, estados e municípios. 

Possivelmente, a concordância, no processo eleitoral, relativamente fácil de obter, em torno da expansão do SUS, tem sido submetido posteriormente a escrutínios de agentes políticos movidos por interesses que terminam por restringir as políticas universais.

A “redução” das políticas pró-SUS,que presumivelmente poderia ser mitigada pelo debate de programas no momento da organização de alianças visando o segundo turno das eleições, não ocorreu em 2014 e não há indícios de que em 2018 as coalizões gravitem em torno de proposições e não em função da divisão de cargos. 

Expectativas concentradas na escolha de ministros e equipe se apresentam em sua plenitude após as eleições. A tendência de nomear,para cargos executivos, integrantes das assessorias que elaboraram os programas genéricos , estabelece um circuito desfavorável à nitidez das proposições e, paradoxalmente, deprecia o processo eleitoral.

Por fim, os esforços aqui empreendidos,ainda que exploratórios e preliminares,apontam para a necessidade de conjugar e aprofundar novas formas de investigação que apostem no promissor diálogo entre eleições e sistemas de saúde,duas áreas de pesquisa de grande vitalidade e de intensas transformações.

 

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