Família denuncia estudantes de medicina após vídeo zombando paciente transplantada

Última atualização: 09/04/2025

Um caso que vem repercutindo nas redes sociais e nos meios jurídicos envolve a jovem Vitória Chaves da Silva, de 20 anos, que enfrentou uma longa e corajosa batalha contra uma cardiopatia congênita rara. Após passar por três transplantes cardíacos e um de rim, ela faleceu em fevereiro deste ano. No entanto, o luto da família foi abalado quando dois vídeos publicados por alunas de medicina no TikTok, que mencionavam de forma indireta a história de Vitória, foram interpretados pela família como ofensivos e desrespeitosos. Diante disso, os parentes registraram uma queixa formal, e a Polícia Civil abriu um inquérito por injúria.

Vídeo nas redes motivou denúncia por injúria

O conteúdo em questão foi publicado por Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano, estudantes de medicina de faculdades distintas. Nas imagens, as alunas relatam, com um tom considerado sarcástico pela família, a história de uma paciente que teria recebido três corações e um rim. Sem citar nomes, mencionaram que um dos transplantes falhou por suposta negligência da paciente em relação ao uso dos medicamentos.

A irmã de Vitória, Giovana Chaves, afirmou que a família só soube da existência do vídeo recentemente, embora ele tenha sido publicado poucos dias antes da morte da jovem. A revelação ocorreu por meio de um amigo da família que vive no exterior e reconheceu a história retratada.

O delegado Marco Antonio Bernardo, responsável pelo caso no 14º Distrito Policial, explicou que a mãe de Vitória compareceu à delegacia inicialmente para registrar um boletim de ocorrência não criminal, pois o vídeo não citava diretamente o nome da jovem. No entanto, após novo depoimento em que manifestou sentimento de difamação, foi instaurado um inquérito por injúria, enquadrado como ação penal privada — modalidade na qual a vítima ou seus representantes legais são responsáveis por apresentar a queixa formal à Justiça.

As estudantes envolvidas serão intimadas para prestar depoimento. O delegado também ressaltou que, além da investigação criminal, a família pode optar por mover uma ação civil por danos morais.

Universidades e InCor se posicionam

As instituições de ensino de Gabrielli e Thaís, respectivamente a Universidade Anhembi Morumbi (SP) e a Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (MG), declararam solidariedade à família de Vitória e informaram estar tomando medidas internas para apurar o ocorrido.

A Faculdade de Medicina da USP, vinculada ao Instituto do Coração (InCor), onde as alunas estavam em um estágio de extensão de curta duração, repudiou qualquer desrespeito aos pacientes e afirmou que reforçará a orientação ética para futuros participantes dos programas.

O que disseram as estudantes

Em nota conjunta, Gabrielli e Thaís negaram qualquer intenção ofensiva. Segundo elas, o vídeo expressava apenas surpresa diante de um caso clínico raro presenciado no ambiente hospitalar. Elas garantiram que não sabiam a identidade da paciente mencionada e que o vídeo não incluía nomes, imagens ou qualquer informação pessoal.

As alunas alegaram que houve um mal-entendido e que a repercussão do vídeo decorre de uma interpretação equivocada e de trechos divulgados fora de contexto. Ainda assim, manifestaram solidariedade à família.

Família contesta e exige retratação pública

Para a família de Vitória, no entanto, as explicações não são suficientes. Eles afirmam que o vídeo disseminou informações erradas e provocou críticas à jovem mesmo após sua morte. A irmã da paciente pediu uma retratação pública em vídeo, especialmente para esclarecer que a rejeição do segundo transplante não foi causada por negligência, mas por uma complicação comum chamada “doença do enxerto”.

A médica responsável pelo acompanhamento de Vitória durante 22 anos também confirmou essa versão.

História de superação e resistência de Vitória

Vitória nasceu em Luziânia (GO) com uma condição cardíaca rara chamada Anomalia de Ebstein. Com poucos dias de vida, os médicos estimavam que ela viveria apenas duas semanas. Contrariando os prognósticos, ela passou por cirurgias, enfrentou várias internações e, aos 5 anos, recebeu seu primeiro transplante de coração no InCor.

A jovem realizou um segundo transplante em 2016 e, apesar das dificuldades, sempre manteve o sonho de ser médica. Chegou a fazer o Enem em 2019, indo de ambulância ao local de prova. Em 2023, teve que passar por um transplante de rim e, no ano seguinte, por um terceiro transplante cardíaco.

Vitória morreu em fevereiro de 2025, após quase dois anos internada em UTI, lutando contra insuficiência renal crônica e choque séptico.

Reflexão sobre ética médica e redes sociais

O episódio levanta discussões importantes sobre os limites do que pode ou não ser compartilhado nas redes sociais, especialmente por profissionais ou estudantes da área da saúde. Mesmo que o conteúdo não tenha identificado diretamente a paciente, a exposição de um caso clínico delicado e o uso de um tom inadequado geraram um debate sobre ética, responsabilidade e empatia — valores fundamentais para qualquer profissional da medicina. Veja também Tratamento integral de lábio leporino será obrigatório no SUS com aprovação de novo projeto de lei.

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