Fila de espera no SUS bate recorde e pacientes aguardam até 634 dias por cirurgia

Última atualização: 16/03/2025

A espera por cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS) tem atingido níveis alarmantes desde o fim da pandemia de Covid-19, evidenciando um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema público de saúde no Brasil. Para muitos pacientes, a longa fila representa não apenas um entrave burocrático, mas uma ameaça direta à vida. Lígia Miranda, cabeleireira de 54 anos, é um exemplo dessa realidade. Diagnosticada com um tumor maligno na mama em junho de 2022, ela precisou esperar dois anos e dois meses para finalmente ser operada.

Se eu tivesse feito a cirurgia no tempo certo, não teria sido mutilada”, lamenta ela, que precisou retirar completamente a mama em um hospital de Brasília. O caso de Lígia ilustra o impacto devastador da demora nos atendimentos, que pode comprometer tratamentos e agravar o estado de saúde dos pacientes.

Tempo médio de espera se mantém elevado

Dados do Ministério da Saúde, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, em 2024, a espera média para uma cirurgia no SUS foi de 52 dias — apenas um dia a menos do que o registrado em 2023, que foi o maior desde o início da série histórica, em 2009.

Esse tempo considera desde a solicitação médica até o dia da cirurgia, sem contar consultas e exames preparatórios. As filas incluem desde procedimentos mais simples, como cauterizações, até intervenções complexas, como cirurgias oncológicas e neurológicas.

Pacientes oncológicos esperam além do permitido por lei

A espera para cirurgias oncológicas é uma das mais preocupantes. Apesar da legislação federal determinar que pacientes diagnosticados com câncer devem iniciar o tratamento em até 60 dias, muitos esperam meses a fio. Dependendo do estado, a espera pode chegar a 188 dias, ou seja, mais de seis meses. Lígia Miranda, por exemplo, enfrentou não apenas a fila para a cirurgia, mas também a demora para o tratamento subsequente.

“Depois da cirurgia, me disseram que eu deveria fazer quimioterapia em até três meses, mas só fui chamada sete meses depois. Como já tinha passado muito tempo, os médicos decidiram seguir com a radioterapia”, relata.

Os tempos de espera variam entre os estados. No Rio Grande do Norte, por exemplo, a fila para cirurgias de glândulas endócrinas pode chegar a 313 dias. O problema é generalizado e afeta diferentes tipos de procedimentos, conforme apontam dados do Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), abastecido com informações dos estados e municípios.

Desafios estruturais e falta de profissionais

Especialistas apontam que o problema não está apenas no represamento de atendimentos causado pela pandemia, mas em falhas estruturais do SUS. A pesquisadora Marília Louvison, da Universidade de São Paulo (USP), explica que a fila precisa ser melhor organizada. “Temos pacientes esperando por um procedimento que já pagaram de forma particular, mas que ainda constam no sistema”, afirma.

Além disso, há uma escassez de médicos especializados na rede pública, um problema que se agrava devido aos baixos salários oferecidos pelo SUS em comparação com a rede privada. Karen de Marca, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), destaca que, em algumas regiões, há hospitais sem infraestrutura adequada para realizar cirurgias. “Faltam profissionais e locais preparados para atender a demanda. Muitas instituições não têm salas reformadas e equipamentos necessários”, pontua.

Governo promete mudanças, mas filas persistem

A redução no tempo de espera por consultas, exames e cirurgias foi colocada como prioridade pelo Ministério da Saúde. Em nota, a pasta afirmou que medidas já resultaram em um “recorde histórico” de cirurgias eletivas realizadas em 2024, com mais de 14 milhões de procedimentos — um aumento de 37% em relação a 2022. O programa “Mais Acesso a Especialistas”, criado em abril do ano passado, busca acelerar atendimentos nas áreas de oncologia, oftalmologia, cardiologia, ortopedia e otorrinolaringologia.

Apesar das promessas do governo, a realidade para muitos pacientes continua sendo de uma longa e angustiante espera. Para quem depende exclusivamente do SUS, o tempo na fila pode significar a diferença entre um tratamento eficaz e a progressão de uma doença potencialmente fatal. Veja também Câmara aprova prioridade no SUS para mães, pais e cuidadores de pessoas atípicas.

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