Última atualização: 04/04/2025
Uma situação alarmante envolvendo a negligência no transporte de pacientes em tratamento oncológico chocou moradores do interior paulista nesta semana. Gilberto Vieira dos Santos, de 62 anos, residente em Rio Claro (SP), foi deixado por mais de 30 horas nas dependências do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, após comparecer à unidade para consultas relacionadas ao tratamento de um câncer no intestino. O caso escancarou falhas graves no sistema municipal de saúde, levantando questionamentos sobre a estrutura, o cuidado com os pacientes e a humanização do atendimento.
Jornada marcada por dor, abandono e indignação
Gilberto, que há uma década convive com o diagnóstico de câncer e utiliza uma bolsa de colostomia, embarcou por volta das 3h30 da madrugada do dia 25 de março em um transporte da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro, acompanhado de outros pacientes. Sua consulta em Jaú estava marcada para as 11h30. Após o atendimento, ele aguardava o retorno para casa, mas acabou sendo esquecido. O resgate só aconteceu na manhã seguinte, por volta das 10h30, o que resultou em um total de 33 horas fora de casa e sob grande desgaste físico e emocional.
Durante esse período, o paciente não teve acesso adequado a alimentação, descanso ou cuidados médicos, o que agravou ainda mais seu estado de saúde. Sem medicação, banho ou local adequado para dormir, ele chegou a passar a noite sentado em uma cadeira emprestada por um vigilante do hospital.
Crise de pressão e sofrimento físico
O estresse e o desconforto da situação impactaram diretamente sua saúde. Na madrugada, Gilberto começou a sentir fortes dores de cabeça e percebeu que sua pressão arterial havia se elevado perigosamente. Sem alternativa, procurou o pronto atendimento do hospital às 4h da manhã, onde foi medicado para controlar os sintomas.
“Foi uma noite terrível. Só Deus sabe o que passei. Chorei muito. Isso não pode acontecer com ninguém, ainda mais com quem luta contra o câncer há tanto tempo”, desabafou.
Relato em vídeo denuncia descaso
Desesperado, o paciente gravou um vídeo durante a noite em frente ao hospital, denunciando o abandono. No registro, visivelmente abalado, relata a demora e lamenta que nenhuma providência tenha sido tomada pelas autoridades responsáveis até aquele momento. Ele diz que tentou contato com o motorista que o havia levado, mas a resposta foi que outro condutor estaria encarregado de buscá-lo — algo que nunca se concretizou.
Gilberto ainda relatou que procurou assistência social no hospital, mas ao final do expediente, não havia mais ninguém disponível. “Se tivesse conseguido falar antes, talvez me encaminhassem para uma casa de apoio”, explicou. O hospital confirmou que o paciente só buscou ajuda formalmente na manhã seguinte, por volta das 7h18.
Fundação Municipal de Saúde e Hospital Amaral Carvalho se pronunciam
A Prefeitura de Rio Claro declarou que a Fundação Municipal de Saúde irá instaurar um processo administrativo para investigar o ocorrido. Durante uma audiência pública na Câmara Municipal, o secretário da Fundação, Marco Aurélio Mestrinel, confirmou que uma sindicância foi aberta para apurar responsabilidades. Ele também mencionou a existência de um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, que limita a carga horária dos motoristas a duas horas extras por dia — um fator que, segundo ele, tem dificultado a logística do transporte de pacientes.
O Hospital Amaral Carvalho, por sua vez, afirmou que não foi contatado previamente pela prefeitura para garantir o acolhimento do paciente nas casas de apoio da instituição, e reiterou que esse tipo de solicitação deve partir dos órgãos públicos responsáveis.
Histórico de falhas no transporte preocupa população
O caso de Gilberto não é isolado. Em março, a mesma região foi palco de reportagens que denunciavam o cancelamento de consultas por falta de transporte para pacientes com doenças crônicas. A prefeitura havia prometido mudanças na escala dos motoristas e novas contratações, mas os problemas persistem.
Após três cirurgias e uma década de enfrentamento contra o câncer, Gilberto segue firme no tratamento, mas agora com um trauma adicional. Sua experiência evidencia a necessidade urgente de revisão na gestão dos serviços de transporte de saúde e do acolhimento a pacientes em situação vulnerável. “A gente precisa ser tratado com respeito. Somos seres humanos e já lidamos com dor suficiente”, finalizou. Veja também Fechamento repentino de hospital infantil em Belford Roxo deixa famílias desamparadas e sobrecarrega unidades vizinhas.