Paciente com Dor na Emergência

Última atualização: 01/01/2025

A motivação para discutirmos o tema da dor baseia-se na convicção de que não sentir dor é um direito do paciente. Cabe, portanto, aos profissionais de saúde valorizar, monitorar e manejar esse fenômeno, garantindo o maior conforto possível, mesmo em situações adversas. Ignorar a dor ou não tratá-la adequadamente pode configurar ato iatrogênico, o que reforça a importância de investirmos em conhecimento e práticas eficientes de cuidado.


A Construção Histórica, Social e Cultural da Dor

Nas sociedades antigas, a dor era compreendida como uma invasão do corpo por espíritos malignos ou como punição divina. Já na Grécia, filósofos viam a dor como uma paixão do espírito, uma emoção sentida no coração. Católicos e protestantes também associavam a dor à vontade divina ou ao destino, muitas vezes interpretando-a como vingança. Esses entendimentos mantiveram a dor como um problema espiritual ou da alma por mais de dois mil anos, o que pode ter retardado avanços científicos na área.


Conceitos Contemporâneos de Dor

Foi no século XVII que os fisiologistas passaram a estudar a dor sob a ótica da sensação — processo em que um estímulo interno ou externo leva a uma resposta perceptiva específica. Essa interpretação como mera sensação perdurou até o século XX, quando novos estudos em neurologia, fisiologia e fisiopatologia evidenciaram também os aspectos psicológicos e reativos da dor. Em 1965, Melzack e Wall introduziram a ideia de que a dor compreende elementos físicos, emocionais e cognitivos.


O Modelo Biopsicossocial da Dor

Atualmente, adota-se um modelo multifatorial ou biopsicossocial, que compreende a dor como resultado de variáveis biológicas, cognitivas e socioculturais. Em 1986, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) propôs a definição de dor como uma “experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesões teciduais reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva, e cada indivíduo aprende a usar esse termo por meio de experiências prévias.”


Desafios na Formação dos Profissionais de Saúde

Apesar da adoção crescente do modelo biopsicossocial, muitos profissionais ainda se apoiam em um paradigma biomédico tradicional, reconhecendo a dor somente diante de lesões visíveis. Além disso, a ausência ou limitação de conteúdos sobre dor nos currículos de formação na área da saúde perpetua conhecimentos fragmentados, muitas vezes baseados em crenças familiares ou de senso comum. Essa lacuna é um dos principais obstáculos para o tratamento efetivo da dor.


O Impacto da Dor no Pós-Operatório

A dor pós-operatória, muitas vezes subestimada, pode ser tratada como algo de menor importância. Profissionais de saúde podem considerá-la “normal” e, por isso, administram analgésicos apenas em situações de dor intensa. No entanto, essa dor pode gerar aumento do tônus muscular, prejudicar a expansibilidade pulmonar, dificultar a ventilação profunda e a eliminação de secreções, favorecendo atelectasias e infecções. No sistema digestório, pode haver lentificação da atividade intestinal, predispondo a íleo paralítico, náuseas e vômitos. Ademais, a dor prejudica o sono e a mobilização precoce, intensificando o desgaste físico e dificultando a recuperação.


Dor no Paciente Oncológico

Na oncologia, diversas barreiras dificultam o manejo efetivo da dor: desconhecer princípios de manejo da dor no câncer e da escada analgésica da OMS, aceitar a dor como inerente à doença, duvidar da queixa dos pacientes ou sentir-se impotente diante do sofrimento. A dor pode advir do crescimento tumoral (metástases ósseas, compressões nervosas, distensão de vísceras) ou dos procedimentos terapêuticos e diagnósticos (cirurgias, quimioterapia, radioterapia, punções e outras intervenções). Essa realidade é especialmente acentuada em casos de doença avançada, em que 70% a 90% dos pacientes relatam dor.


Fisiopatologia da Dor

Entre o estímulo tecido-lesivo e a experiência dolorosa, ocorrem fenômenos elétricos e químicos complexos, conhecidos como transdução, transmissão, percepção e modulação.

  1. Transdução
    É a conversão de sinais químicos em impulsos elétricos. Inicia-se quando o dano tecidual, causado por estímulos mecânicos, térmicos ou químicos, e a consequente resposta inflamatória liberam mediadores algiogênicos (prostaglandinas, bradicininas, serotonina, histamina, substância P). Esses mediadores estimulam receptores nociceptivos em pele, músculos, periósteo, paredes arteriais, vísceras e polpa dentária, gerando potencial de ação e despolarizando a membrana neuronal.
  2. Transmissão
    Trata-se da condução do impulso doloroso da periferia ao sistema nervoso central (medula espinhal, tronco cerebral e, por fim, o cérebro). Diversos neurotransmissores estão envolvidos nesse processo. A dor, como sinal de ameaça, desencadeia respostas neurovegetativas e comportamentais em busca de adaptação e proteção.
  3. Percepção
    A percepção ocorre quando o sinal doloroso atinge o córtex cerebral, tornando-se consciente. Passamos, então, a identificar características como localização, intensidade e natureza da dor, além de decidir como reagir. O resultado desse processamento reflete-se no comportamento doloroso: chorar, gemer, pedir ajuda, massagear a região afetada, entre outros.
  4. Modulação
    É o mecanismo pelo qual a transmissão do estímulo doloroso pode ser facilitada ou inibida. Substâncias endógenas como serotonina, noradrenalina, endorfinas e encefalinas ajudam a inibir a dor. Um exemplo clássico de modulação é a “Teoria da Comporta” ou “Teoria do Portão”: estimular fibras não dolorosas (por exemplo, esfregar a área atingida ou usar compressa fria) compete com as fibras dolorosas, bloqueando ou diminuindo a transmissão do impulso nociceptivo.

Classificação da Dor

A dor pode ser classificada em função do tempo de duração — aguda ou crônica — e também quanto à sua etiologia, como no caso da dor oncológica, que pode apresentar características tanto agudas quanto crônicas.

  1. Dor Aguda
    Geralmente está associada a uma causa definida, como cirurgias ou traumas. A dor pós-operatória, por exemplo, varia em intensidade e complexidade conforme a extensão do procedimento. Em cirurgias ambulatoriais, tende a ser mais leve; em intervenções abdominais, torácicas, ortopédicas ou pélvicas, a dor costuma ser mais intensa, exigindo medidas analgésicas mais sofisticadas.
  2. Dor Crônica
    Prolonga-se por períodos maiores, muitas vezes sem uma causa aparente ou relacionada a uma condição crônica subjacente. Pode gerar sentimentos de desesperança, interferir em atividades rotineiras, comprometer o trabalho e as relações sociais e familiares, além de prejudicar a autoestima e a qualidade de vida.
  3. Dor Relacionada ao Câncer
    Pode ser tanto aguda (decorrente de procedimentos invasivos ou complicações) quanto crônica (condicionada à evolução do tumor). Aparece em 20% a 50% dos casos no diagnóstico e em 70% a 90% dos casos de doença avançada, reforçando a necessidade de uma abordagem especializada e contínua.

Considerações Finais

A dor é uma das razões mais comuns de procura por assistência médica, além de representar um problema socioeconômico de grande relevância. Seu manejo efetivo exige conhecer a fisiopatologia envolvida, adotar um modelo de cuidado que considere tanto os fatores biológicos quanto os psicossociais e, fundamentalmente, abandonar crenças desatualizadas.

Reconhecer a dor como uma manifestação complexa e subjetiva é o primeiro passo para tratá-la de forma segura e eficaz, honrando o direito de cada paciente de viver sem sofrimento desnecessário. ver Curso Enfermagem do Trabalho 120h

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