O paradigma que influencia a atenção ao parto e nascimento até os dias atuais construiu-se, historicamente, a partir do século XVIII, com a inserção da Medicina.
É o que afirma uma pesquisa publicada na Revista de Enfermagem no começo deste ano e detalha como a enfermagem se tornou tão importante no parto.
Desde esse período, constituiu-se o processo de transição do modelo holístico, em que a mulher detinha o poder e a autonomia sobre seu corpo, para o modelo tecnocrático institucionalizado. Esse modelo de atenção obstétrica tem vigorado no país, favorecendo “o uso indiscriminado de tecnologias e intervenções, […] a prática da cesárea de rotina, a violação de direitos da mulher e a manutenção de elevados números de mortalidade materna”, afirma o estudo.
Desse modo, a atenção obstétrica voltada para o predomínio do uso de intervenções desnecessárias e prejudiciais ao “considerar o parto um evento médico e de risco cujo cenário é o ambiente hospitalar […] e o nascimento um evento patológico que precisa ser tratado”, acaba por desconsiderar a autonomia e o poder decisório da mulher,
contribuindo para a vigilância e dominação do corpo feminino.
Neste contexto, “a atuação da enfermeira obstétrica tinha por mérito primordial a vigilância intensiva e o controle do trabalho de parto”3:02, dialogando em alguma medida com a prática hegemônica de intervenção do médico obstetra, caracterizada pela ênfase institucional e o modelo tecnocrático de assistência, com a justificativa de tornar o evento do parto mais seguro para a mulher e o recém nascido.
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No entanto, atrelado ao processo de democratização e participação social e ao movimento de humanização do parto, na década de 80, ocorrem movimentos de crítica a esse modo tradicional de atenção à saúde da mulher e ao recém-nascido, abrindo espaço para a enfermeira obstétrica atuar na assistência direta ao parto.
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Assim, em 1985, em consonância às críticas da atenção obstétrica vigente, ocorreu em Fortaleza (Brasil) a I Conferência sobre Tecnologia Apropriada para o Nascimento e o Parto, promovida pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS)/Organização Mundial de Saúde (OMS), considerada “um importante marco na revisão das tecnologias utilizadas no nascimento e parto, levando à adoção de recomendações que contraindicam o uso inapropriado e indiscriminado de tecnologias invasivas no parto”.
Em 1996, a OMS desenvolveu e publicou uma classificação das práticas utilizadas na condução do parto vaginal e do nascimento, com base em evidências científicas.
Foram sinalizadas práticas demonstradas úteis, como direito à acompanhante, liberdade de posição e uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor; e outras a serem eliminadas, como enema, tricotomia e episiotomia. Além disso, houve o incentivo à realização de capacitações e a inserção das enfermeiras obstétricas na atenção ao parto e nascimento.
Com o incentivo para a aplicabilidade dessas recomendações, em paralelo, promoveu-se a inserção das enfermeiras obstétricas, pois a incisiva participação dessas profissionais na assistência ao trabalho de parto, parto e nascimento, reforça a sua contribuição no que se refere à prática assistencial, conforme diretrizes da OMS/MS, além de qualificar o cuidado prestado e reduzir o uso de práticas intervencionistas.
Esse destaque para a inserção da enfermeira obstétrica diretamente na cena do processo do parto e nascimento tem um importante engajamento para a implantação do modelo humanizado e de uma assistência segura com embasamento científico. Deste modo, ao corroborar as prerrogativas da OMS/MS, com ênfase na redução de intervenções desnecessárias, contribui com mecanismos para a implantação desse modelo, cujo foco é o “respeito”, “comunicação efetiva”, “continuidade do cuidado” e com processos responsáveis pela redução das taxas de morbimortalidade materna.
Extraído do texto original
A inserção da enfermeira obstétrica no parto e nascimento:
obstáculos em um hospital de ensino no Rio de Janeiro
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