O ECG nas Canalopatias e Demais Alterações Genéticas

O ECG nas Canalopatias e demais alterações genéticas

Atualizado em 15/03/2023 às 09:38

O ECG (eletrocardiograma) é uma ferramenta útil na avaliação de pacientes com canalopatias e outras alterações genéticas que afetam o coração. As canalopatias são doenças genéticas que afetam os canais iônicos do coração, o que pode levar a arritmias cardíacas.

Algumas canalopatias incluem a síndrome do QT longo, a síndrome de Brugada e a síndrome de Andersen-Tawil. O ECG pode ser usado para detectar anormalidades elétricas associadas a essas condições, como prolongamento do intervalo QT no caso da síndrome do QT longo ou elevação do segmento ST no caso da síndrome de Brugada.

Além disso, o ECG pode ser usado na avaliação de outras alterações genéticas que afetam o coração, como a cardiomiopatia hipertrófica e a displasia arritmogênica do ventrículo direito. Esse exame ainda pode ajudar na identificação de anormalidades elétricas e estruturais do coração associadas a essas condições, como alterações no complexo QRS e no intervalo QT.

No entanto, é importante ressaltar que o eletrocardiograma pode ser normal em pacientes com canalopatias e outras alterações genéticas do coração, especialmente em indivíduos assintomáticos. Portanto, o diagnóstico dessas condições geralmente requer uma avaliação clínica completa, incluindo histórico médico, exame físico e, em alguns casos, testes genéticos.

Enfermagem em cardiologia

Quando o assunto é cardiologia, os profissionais da enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem), são extremamente importantes, porque eles são os primeiros que identifica que algo não vai bem com determinado paciente.

O Enfermeiro também pode realizar Enfermagem em Cardiologia, uma Especialização regulamentada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), através da Resolução Cofen n.º 581/2018.

A seguir, descreveremos de forma mais detalhada sobre “O ECG nas Canalopatias e demais alterações genéticas”, segundo a última Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada em 2022.

A Genética e o ECG

O aprimoramento das técnicas de mapeamento genético possibilitou, nos últimos anos, um melhor entendimento e diferenciação de algumas entidades clínicas, potencialmente fatais, que apresentam padrão eletrocardiográfico característico. Dentro deste grupo de doenças destacam-se aquelas com coração estruturalmente normal como as canalopatias e outras afecções que cursam com acometimento miocárdico, como a cardiomiopatia hipertrófica e a displasia arritmogênica do ventrículo direito.

Canalopatias

As canalopatias cardíacas são decorrentes de mutações genéticas ou de um mau funcionamento dos canais iônicos que culminam com alterações das fases do potencial de ação celular. Achados eletrocardiográficos específicos, com associação de síncope (em repouso ou desencadeada pelo exercício) e presença de arritmias ventriculares em coração estruturalmente normal, devem levantar a hipótese de canalopatias.

Síndrome do QT Longo Congênito

A síndrome do QT longo congênito foi a primeira canalopatia a ser descrita e, portanto, com maior número de estudos. Esses estudos permitiram o entendimento da relação entre biologia molecular e genética e a associação com as manifestações clínicas, estratificação de risco e tratamento.Representa a principal causa de autópsia negativa em casos de morte súbita em jovens.

Sua principal característica é o prolongamento do intervalo QT corrigido ao ECG, com valores acima de 460 ms. Clinicamente, a presença de síncope ou parada cardiorrespiratória desencadeada por estresse emocional e físico deve aventar a hipótese da síndrome do QT longo.

Os portadores desta síndrome apresentam risco elevado de apresentar uma taquicardia ventricular polimórfica (TVP), síncope e morte súbita (quando há degeneração desta TVP para uma fibrilação ventricular). A TVP que acontece nos indivíduos com QT longo recebe o nome de Torsades des Pointes. Apesar de 16 genes terem sido identificados como responsáveis pelas mutações associadas à Síndrome do QT longo (LQT), são três que respondem por 75% dos diagnósticos: KCNQ1 (LQT1), KCNH2 (LQT2) e SCN5A (LQT3). Os gatilhos para o desencadeamento das arritmias são gene-específicos, sendo o exercício mais relacionado à LQT1, emoção à LQT2 e a bradicardia à LQT3.

São características ao ECG:
a) LQT1: Onda T de base larga e início tardio;
b) LQT2: Onda T de baixa amplitude, geralmente com entalhe;
c) LQT3: Onda T tardia, após longo e retificado ST.

Síndrome do QT Curto

Entidade descrita em 2000, caracteriza-se pelo achado de intervalo QT curto associado à fibrilação atrial e morte súbita cardíaca. O defeito genético desta condição é o aumento da função dos canais de potássio que atuam na fase 3 do potencial de ação, levando ao encurtamento do intervalo QT.

Os genes relacionados a essa síndrome são o KCNH2, KCNQ1 e KCNJ2. Quando o ECG evidencia intervalos QT corrigidos curtos, com valores abaixo de 370 ms e a distância entre ponto J e o pico da onda T inferior a 120 ms, suspeita-se do diagnóstico de QT curto. A probabilidade diagnóstica aumenta com intervalos QTc menores que 340 ms.

Síndrome de Brugada

Canalopatia causada por um defeito dos canais de sódio no epicárdio do VD, acometendo predominantemente o sexo masculino. Alguns indivíduos referem história de morte súbita familiar. Uma das características da síndrome de Brugada é a tendência a desenvolver síncopes e/ou parada cardíaca decorrente de fibrilação ventricular.

Frequentemente, esses eventos ocorrem durante o repouso e sono, podendo também ser desencadeados por hipertermia e determinadas medicações, culminando com morte súbita.

Sua transmissão é autossômica dominante e é responsável por 20% das mortes súbitas com coração normal à autópsia. É geneticamente heterogênea, com envolvimento em pelo menos 13 genes. Apesar de mais de 200 mutações já terem sido descritas, a maior parte delas ocorre em genes com impacto na função dos canais de Na+ (SCN5A), responsável pelos indivíduos afetados em 20% a 25% dos casos.

A elevação de 2 mm ou mais do ponto J nas derivações V1 e V2, seguido de um descenso lento do segmento ST com convexidade superior e terminando com a inversão da onda T, caracteriza o padrão Tipo 1. O diagnóstico da síndrome de Brugada é feito pelo achado eletrocardiográfico Tipo 1 associado a sintomas.

O Tipo 2 caracteriza-se pela elevação do ponto J em V1 e V2 com menos de 2 mm, com morfologia em sela
do segmento ST. Este padrão é altamente suspeito, mas, não fecha o diagnóstico. Seu caráter transitório dificulta o diagnóstico e, nos casos de dúvida, deve-se fazer o registro com os eletrodos de V1 e V2 nas derivações precordiais superiores. Os eletrodos são posicionados no 3º e 2º espaços intercostais direito e esquerdo.

Este posicionamento permite melhor avaliação da via de saída do VD e aumenta a sensibilidade do ECG para o diagnóstico do padrão Tipo 1.

O achado eletrocardiográfico é denominado de fenótipo de Brugada quando não se sabe ou não há história prévia de morte súbita abortada, episódios sincopais e/ou familiares de primeiro grau com morte súbita.

Fenocópia de Brugada é uma entidade caracterizada pelo padrão eletrocardiográfico presumidamente idêntico ao da síndrome, entretanto, provocado por várias outras condições. Na fenocópia há um gradiente transmural decorrente de um acentuado entalhe no potencial de ação no epicárdio, mediado pelos canais Ito e perda do domo do potencial de ação, mas, não no endocárdio.

Dentre as situações descritas temos: alterações metabólicas, compressão mecânica extra cardíaca, isquemia, doença miocárdica/pericárdica e determinadas medicações.

Taquicardia Catecolaminérgica

A taquicardia catecolaminérgica acomete indivíduos durante a infância e adolescência que relatam quadros sincopais, além de história de morte súbita na família. As mutações hereditárias ou esporádicas nos canais de
rianodina, responsáveis por regular o cálcio intracelular, são responsáveis por 50% a 60% dos casos de taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica.

O ECG de repouso pode apresentar-se dentro dos limites normais, podendo apresentar bradicardia sinusal e ondas U, sendo característica a indução de arritmia ventricular bidirecional desencadeada pelo teste ergométrico ou infusão de isoproterenol.

Achado frequente são extrassístoles ventriculares, geralmente isoladas, intermitentes, bigeminadas e pareadas que aumentam sua densidade ao exercício.

Doenças Genéticas com Acometimento Primário Cardíaco

Cardiomiopatia (Displasia) Arritmogênica de Ventrículo Direito

Doença genética que leva ao acometimento primário do VD, com substituição dos miócitos por tecido fibrogorduroso, associada a arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita.

Ao ECG, caracteriza-se pela presença de atraso final da condução do QRS (duração >110 ms) com baixa voltagem e maior duração em V1/V2 (onda épsilon, presente em 30% dos casos), associado a ondas T negativas de V1 a V4, arredondadas e assimétricas. Associação com extrassístoles de origem no VD (que se apresentam com morfologia de BRE), podendo ter orientação superior ou inferior. O achado de ondas T negativas até V6 sugere o comprometimento do ventrículo esquerdo.

Cardiomiopatia Hipertrófica

Doença primária do coração, de base genética com herança autossômica dominante (doença genética
cardíaca mais comum: 1:500 nascidos vivos), com várias mutações genéticas descritas. Ocorre hipertrofia
ventricular acentuada, segmentar ou difusa. O ECG é alterado em pelo menos 75% dos pacientes, com boa sensibilidade para a faixa pediátrica.

Caracteriza-se pelo encontro de ondas Q rápidas e profundas em derivações inferiores e/ou precordiais, em geral associadas a sinais clássicos de sobrecarga ventricular esquerda e acompanhadas de alterações de ST-T características (importante infradesnivelamento do segmento ST com profundas ondas T negativas).

Doenças Genéticas com Acometimento Secundário Cardíaco

Distrofia Muscular

Conjunto de doenças que acometem os músculos voluntários prioritariamente e em algumas delas, ocorre acometimento dos músculos respiratórios e do coração. No ECG, os achados mais comuns são a presença de onda R ampla (relação R/S >1) em V1 e V2, onda Q profunda em V6, DI e aVL, atraso de condução pelo ramo direito, complexos QS em I, aVL, D1, D2 e D3 e alterações da repolarização ventricular.

Referência: 

Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos — 2022. Brazilian Society of Cardiology Guidelines on the Analysis and Issuance of Electrocardiographic Reports — 2022 (Baixar Diretriz da SBC 2022)

Apresentação e Introdução da Diretriz SBC 2022

  1. Normatização para Análise e Emissão do Laudo Eletrocardiográfico
  2. Avaliação da Qualidade Técnica do Traçado
  3. A Análise do Ritmo Cardíaco
  4. Condução Atrioventricular
  5. Análise da Ativação Ventricular
  6. Sobrecarga das Câmaras Cardíacas
  7. Análise dos Bloqueios (Retardo, Atraso de Condução) Intraventriculares
  8. Análise do ECG nas Coronariopatias
  9. Análise da Repolarização Ventricular
  10. O ECG nas Canalopatias e Demais Alterações Genéticas
  11. Caracterização das Alterações Eletrocardiográficas em Situações Clínicas Específicas
  12. O ECG em Atletas
  13. O ECG em Crianças
  14. O ECG durante Estimulação Cardíaca Artificial
  15. Tele-eletrocardiografia
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